Atlas da Notícia: desigualdades regionais e o futuro do jornalismo

Publicado originalmente em ObjETHOS. Para acessar, clique aqui.

Samuel Pantoja Lima
Jornalista e pesquisador do objETHOS

A nova rodada da pesquisa Atlas da Notícia, divulgada há pouco mais de 10 dias, tem como principal achado, pela primeira vez desde 2016, que há 51,3% dos municípios brasileiros com pelo menos um veículo contra 49,7% das 5.570 cidades que seguem na classificação de “deserto de notícias”, ou seja, não contam com nenhum veículo de comunicação. “O censo realizado em 2023 mostrou uma redução de 8,6% no total de desertos de notícias. São 256 municípios a menos na conta – ainda assim, restam 2.712 cidades e 26,7 milhões de brasileiros que nelas habitam sem acesso a notícias sobre o lugar onde vivem” (grifo nosso).

resultado da versão 6.0 do estudo liderado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor/Unicamp), em parceria com a Agência de Dados Volt Data Lab, consolida uma outra tendência relevante que já se observara nos últimos levantamentos de campo: a predominância das organizações de jornalismo online no mapa da mídia nacional. “Agora, há 5.245 veículos digitais e 4.836 rádios oferecendo notícias em seus canais. Juntos, os dois meios representam 70% do total de veículos mapeados pelo Atlas em 2023”. Para se ter uma ideia dessa evolução, no estudo realizado em 2020, pela primeira vez, os veículos online se aproximavam do número de emissoras de rádio – eram 4.403 rádios e 4.221 veículos online naquela ocasião.

O redesenho do mercado jornalístico, constatado pelo Atlas da Notícia, descortina “outra realidade menos morta”, quando se fala do futuro do jornalismo e das muitas “crises” nas quais a profissão e a forma social de conhecimento experimentam, desde meados dos anos 1970, com o advento da automatização das empresas de jornalismo. Se olharmos em retrospectiva, o modelo ainda dominante surgiu na França, em 1836, aperfeiçoado por “Émile de Girardin, editor do jornal La Presse: ele foi o primeiro a depender em larga escala dos anúncios, conseguindo então diminuir o preço dos jornais e, consequentemente, aumentar muito as vendas”.

A liderança dos veículos online, no mapa da mídia nacional, implica também numa atitude do campo que transite da esperança para a produção de pesquisas aplicadas que possam oferecer às/aos jornalistas e eventuais investidores, um novo modelo baseado numa sustentabilidade que não dependa mais somente da venda de anúncios. Mais que buscar um novo modelo para o negócio, está posta também a necessidade das novas gerações de profissionais repensarem as relações entre jornalistas, o jornalismo e seus públicos. Não se trata, em definitivo, de uma questão que se resuma ao modelo de financiamento da atividade jornalística.

O Atlas e as Desigualdades Regionais

Começando esta brevíssima análise pelo Sul do país. O Atlas constatou a diminuição de 8% no número de “desertos de notícias” (municípios sem nenhum veículo jornalístico lá sediado). “Estes municípios ainda representam 42% das cidades do Sul, taxa similar à da região Norte. Entre os três estados, o Paraná lidera com maior proporção de desertos de notícia frente ao número total de municípios: 44%. Já Santa Catarina e Rio Grande do Sul registram 41% cada”. Um dado geral, no entanto, ratifica a desigualdade em relação às demais regiões, exceto o Sudeste: o Sul concentra mais de um quarto dos veículos brasileiros: “No total, a região Sul concentra 26,5% dos veículos do Brasil, com 3.823 empreendimentos, enquanto reúne apenas cerca de 15% da população brasileira, de acordo com dados do censo de 2022? (grifo nosso). Em outras palavras, “isto demonstra uma maior densidade de veículos na região frente à realidade do Brasil”.

No Sudeste, o estudo destacou três aspectos: a) pela primeira vez, os veículos online são maioria na região Sudeste – 1.473 organizações online, vindo o rádio em segundo lugar com 1.454 veículos; b) o número de desertos de notícia caiu na região, com destaque para Minas Gerais; c) a região perdeu participação no todo e, agora, abriga 32,7% (quase um terço) dos veículos jornalísticos ativos no país. Quanto aos desertos de notícias, houve uma queda absoluta de 881 municípios para 859 no levantamento de 2023: “Foi o terceiro ano seguido de queda no número de desertos de notícias no Sudeste. Em 2021, eles eram 967, ou 58% dos 1668 municípios da região. Nesta edição, o percentual caiu para 51,5%”. 

Já no Centro-Oeste o destaque negativo é de outra ordem. “Diminui a quantidade de iniciativas jornalísticas na região Centro-Oeste”, destaca o Atlas, registrando que houve uma queda na quantidade de organizações jornalísticas em toda a região: “No Distrito Federal, foram 41 veículos fechados, no Mato Grosso, 6; no Mato Grosso do Sul, 2 empresas e em Goiás, 1”. O estudo aponta ainda que o “principal motivo para o fechamento das empresas é a dificuldade em financiar e estabelecer modelo de negócio sustentável e lucrativo. Na região Centro-Oeste, ainda predomina o modelo tradicional de venda de publicidade para órgãos públicos e privados” (grifo nosso). No entanto, esta região “tem a menor porcentagem de desertos de notícias e o segmento que garante boa parte da cobertura é o rádio. São ao todo, 729 rádios, 592 sites de notícias, 370 jornais impressos e 210 emissoras de televisão”. Ou seja, lá prevalece ainda a liderança das emissoras de rádio.

O Nordeste é a região na qual ainda predominam, de forma dramática, os desertos de notícias, não obstante a redução de 9% verificada em 2023 pelo Atlas. Só para se ter uma ideia, “56,74% dos municípios nordestinos são vazios noticiosos e mais 70% dos municípios do PI e RN não têm cobertura jornalística local”. A pesquisa mapeou 2.728 veículos jornalísticos em atividade na região. Há 1.300 veículos online, 1.011 emissoras de rádio, 213 jornais impressos e 204 emissoras de TV. Um dado revela bem a noção de desigualdade regional (socioeconômica e política): “com a maior quantidade de estados do Brasil, a região apresenta também maior proporção de desertos de notícias – 56,74% dos municípios” (grifo nosso).

Fechando o mapa, temos na Região Norte foi registrada a redução mais relevante dos desertos de notícias: 30% dos municípios da Amazônia deixaram de ser “desertos” e nenhuma cidade da região entrou nesta categoria. O jornalismo praticado no Norte do país tem como características a forte presença do online (47,7%) e rádio com 27,8% (que juntos representam 75,5% de um total de 1.330 veículos), a cobertura socioambiental, pautas de interesse dos povos originários da Amazônia e a denúncia de ataques a jornalistas em áreas de risco.

Sustentabilidade e Jornalismo de Novo Tipo

O redesenho que o ecossistema da mídia jornalística brasileira vem experimentando, desde o final dos anos 1990, com o advento comercial da internet e a criação da Google (1998), chega a um patamar que parece indicar um novo e definitivo caminho: a prevalência, cada vez maior, em termos de veículos e alcance social (circulação social da informação jornalística) das organizações online, cuja tendência é se consolidar como arranjos jornalísticos com características totalmente distintas da velha mídia tradicional.

Entre 2015 e 2019, participei de uma equipe de pesquisadoras e pesquisadores de três instituições (UFSC, UEPG e Faculdade Ielusc) que investigou formas de sustentabilidade de veículos jornalísticos online no município de Joinville (SC), cidade industrial que tem a maior população de Santa Catarina. O resultado está publicado, em forma de e-book e disponível gratuitamente aqui.

Destaco deste estudo duas considerações gerais. A primeira é que “nas últimas décadas, por uma série imprevisível de razões que acabaram por se combinar, o jornalismo se tornou cada vez menos interessante como negócio – e, ante o colapso de sua existência sob a forma de empresa, ainda não sobrevieram outros tipos de organização para assegurar sua duração, sobretudo quando o objetivo é a cobertura local –, ainda que permaneça, de forma dramática, a necessidade social da informação e do conhecimento produzido por ele, especialmente na era da indústria da desinformação, manipulação e fraude, conhecidas como fake news”.

Por último, nosso entendimento é de que a chamada “crise do jornalismo” ainda “está em processo” e “revela aos poucos suas camadas e o alcance das mudanças nos hábitos de consumo, na produção dos conteúdos, no diálogo entre produtores e públicos e nos modelos de sustentação financeira do serviço jornalístico”.

A ascensão dos veículos online no mapa da mídia jornalística nacional revela a força do jornalismo hiperlocal, local e/ou regional, sem fins de lucro, mas de caráter profissional. Os resultados do Atlas da Notícia (2023), além de consolidar o redesenho desse novo ecossistema midiático, também se nos oferece um horizonte promissor e fecundo ao jornalismo, neste final de primeiro quarto de século, com indicadores robustos de que é possível superar a crise e abrir um novo ciclo para o Jornalismo – como profissão e forma social de conhecimento, no país.

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