Corporações se isentam de responsabilidade por violação de direitos humanos com terceirização

Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.

Highlights

  • A terceirização pode ser um mecanismo para as corporações se absterem da responsabilidade por crimes, ilegalidades e má-conduta
  • Pesquisadores discutem a contradição entre discurso e prática em prol dos direitos humanos em grandes corporações
  • É importante questionar a concentração de poder das corporações e assegurar a participação de movimentos sociais nas iniciativas de combate às violações

Grandes corporações tendem a usar a terceirização de funcionários para se desobrigar das responsabilidades em casos de violação dos direitos humanos, aponta estudo publicado na revista “Organizações & Sociedade” nesta segunda (21) por pesquisadores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP) e da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Segundo os pesquisadores, os estudos sobre negócios e direitos humanos precisam incluir as contribuições de grupos e indivíduos que sofrem preconceitos e violências devido a um modelo de gestão que privilegia o lucro sobre a vida.

O artigo ilustra a tensão entre corporações e direitos humanos a partir do assassinato de João Alberto de Freitas, 40 anos, negro, cliente de uma loja da rede Carrefour. Morto por seguranças em novembro de 2020, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, o caso chamou a atenção para a violência e o racismo estrutural. Para o estudo, foram recolhidas notícias em jornais de grande circulação nos dias que sucederam o crime, além de documentos eletrônicos sobre o caso publicados por movimentos sociais.

Em seus comunicados sobre o caso, a rede de supermercados afirmou que não compactuava com a violência e que adotaria ações para o combate ao racismo estrutural, como a criação de um Comitê Externo sobre Diversidade e Inclusão e a revisão do treinamento dos funcionários. A empresa também enviou pedido de desculpas e pagou indenização à família.

Porém, observa o artigo, a organização nunca chegou a admitir, de fato, sua responsabilidade, alegando ter tomado todas as providências cabíveis para assegurar a punição dos agressores. As políticas e ações de combate ao racismo estrutural receberam críticas de movimentos negros, que não foram chamados para diálogo. E, mesmo após a agressão que vitimou João Alberto, outras violações de direito à vida foram registradas em lojas pelo Brasil, o que mostra que as corporações ainda não colocam em prática o discurso de valorização dos direitos humanos e não atuam em uma perspectiva antirracista.

“Não existe descumprimento de somente um direito. Quando um direito humano é violado, na verdade todos os direitos humanos foram rompidos”, afirma a professora da UFU Cintia Rodrigues de Oliveira, uma das autoras do artigo. Ao se desvincularem de ameaças à vida, as grandes corporações geram danos colaterais, aponta a pesquisadora. “Junto com as operações regulares dessas empresas, como a oferta de bens e serviços, ocorrem operações danosas para a sociedade”, alerta.

Segundo o artigo, atribui-se ao Estado de forma geral a responsabilidade de combater violações em direitos humanos, enquanto empresas podem optar pelo cumprimento ou não de normas a esse respeito. A professora reitera que, mesmo indiretamente, o Estado está envolvido em crimes corporativos, pois as leis tendem a ser formuladas por agentes públicos que atuam de acordo com interesses de setores privados. Portanto, é necessário haver uma mudança no modelo de negócios, hoje baseado em uma concentração de poder que beneficia poucos, observa a pesquisadora. “Um dos caminhos é tornar os movimentos sociais mais ativos e fortalecidos”, completa a autora.

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