Publicado originalmente em Jornal da UFRGS. Para acessar, clique aqui.
Economia | A partir da análise de dados da Lei Rouanet, estudo identificou a pouca contribuição financeira do setor público para a realização dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro
*Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
De venda de fantasias a almoços e jantares, as formas de captação de verba para a realização dos desfiles das escolas de samba do Brasil são as mais variadas. Sabendo disso, o graduado em Ciências Econômicas pela UFRGS Lucas Mesch Ferreira da Silva fez seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre o papel do financiamento público para a realização dos desfiles do Carnaval carioca. Um dos resultados levantados no trabalho mostra que, em comparação às festividades internacionais semelhantes ao Carnaval brasileiro, o suporte do poder público no Brasil é muito baixo.
Natural de Uruguaiana (RS), cidade em que a cultura dos desfiles de Carnaval é bem forte, Lucas sempre teve afinidade com o tema e por isso escolheu abordar o assunto no seu TCC. Sob orientação do professor Stefano Florissi, o estudante verificou qual a real importância do setor público para a realização dos desfiles no Carnaval do RJ. Para isso, foram utilizados dados da Lei de Incentivo à Cultura, a Lei Rouanet , para realizar um estudo de caso sobre o financiamento indireto das escolas de samba pelo Governo Federal no período de 2017 a 2020. “O que a gente viu é que, na prática, [o financiamento público] não tem tanta importância. As escolas lançam projetos [para receber aprovação da lei], e elas até são autorizadas, mas na maioria das vezes elas não conseguem nada ou muito pouco de investimento”, relata Lucas.
Até a avenida, o caminho é longo
Ao contrário do que parece, a Lei Rouanet não garante que o projeto receba verba, só dá o aval para que ele busque o investimento de empresas privadas. A análise constatou que, entre 2017 e 2020, mais de 160 milhões de reais foram solicitados pelas escolas e pela Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), e foi autorizada a captação de mais de 130 milhões de reais. Segundo Lucas, porém, “Nesses 4 anos que analisamos, desse valor que foi autorizado, pouco mais de 20 milhões de reais foram efetivamente captados, e essa quantia foi em 2018, em que a empresa Uber patrocinou todas as escolas de samba cariocas via Lei Rouanet”, complementa.
“A gente vê que tem muita desinformação nesse sentido, em relação tanto à dependência financeira das escolas de samba quanto ao funcionamento da Lei Rouanet”
Lucas Mesch Ferreira da Silva
O financiamento indireto do governo federal não é a única forma de renda para a realização dos desfiles: as escolas de samba cariocas podem buscar parcerias com o setor privado, comercializar fantasias e produtos para outras escolas do país, realizar rifas, almoços, festas e vendas de ingressos para ensaios. Percebeu-se também que nos últimos anos as empresas têm evitado participar desses financiamentos, já que, com a proibição de logomarcas nos desfiles, outras formas de patrocínios – como inserir uma propaganda no intervalo da transmissão televisiva do desfile – se tornam muito mais atraentes para as empresas.
Além disso, o trabalho também apresentou experiências internacionais de Carnaval que contam com apoio do setor público, como os carnavais de Nice, na França, e Quebec, no Canadá, cidades em que o Estado desempenha um papel fundamental na realização das festas. A pesquisa avaliou que as festividades de Nice, por exemplo, são praticamente dependentes do financiamento do setor público, com regulamentação e organização coordenadas pelo Estado. Já as festas de Quebec, que também são dependentes do setor público, têm grande importância para o turismo e o comércio local. Em Quebec, as festas também mobilizam o setor privado, mas isso só é possível pelo financiamento inicial do Estado. “Se ele [o Estado] não garantisse a realização da festa, esse montante do setor privado não seria movimentado, não seria envolvido e não seria tão importante para o comércio”, ressalta Lucas.
O economista afirma que, para colocar os desfiles na avenida, as escolas têm custo médio de aproximadamente 5 milhões de reais – esse número não considera escolas campeãs, mas sim aquelas que disputam para não serem rebaixadas pro grupo de acesso. É importante ressaltar, também, que as escolas de samba do Rio de Janeiro muitas vezes são advindas de comunidades, periferias e favelas, e a realização dos desfiles movimenta toda aquela comunidade em que a escola está inserida, contribuindo para a renda dos moradores, que muitas vezes atuam como costureiras, passistas e bateristas, por exemplo. Para Lucas, futuramente, outros dados ainda podem ser explorados para se ter um maior conhecimento das relações de financiamento entre os governos estadual e municipal do Rio de Janeiro e, assim, obter a real dimensão do retrato das escolas de samba nas três esferas.