Publicado originalmente em Ciência UFPR por Camille Bropp. Para acessar, clique aqui.
Conversamos com o professor do Departamento de Química da UFPR sobre os estudos que coordena com o objetivo de entender pontos de encontro e desencontro entre o ciclo do ferro e o combate da crise climática
Entre os ciclos biogeoquímicos essenciais para o meio ambiente, o do ferro talvez seja o menos conhecido. Apesar disso, é um tema relevante entre as questões relacionadas à emergência climática desde o fim da década de 1990. Isso porque a quantidade de ferro nos mares é um fator determinante na população de fitoplâncton, o conjunto de microalgas e cianobactérias que, por fazerem fotossíntese, ajudam a retirar dióxido de carbono da atmosfera, para a qual liberam oxigênio. Por conta dessa dinâmica, muitas teses têm sido formuladas — algumas polêmicas — a respeito de qual papel o ferro poderia ter em planos de mitigação da crise climática.
Uma das linhas de pesquisa do Grupo de Química Ambiental (GQA) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) trata de investigar aspectos do ciclo biogeoquímico do ferro nos mares da Antártica. A escolha tem sua razão de ser, isto é, o fato de o antártico ser ainda um ecossistema com poucas interferências — apesar dos pesares.
“Como estamos falando de uma região bastante remota, é pouco provável que o ferro disponível no oceano austral venha de outras regiões do planeta, sendo ele próprio a principal fonte de ferro, majoritariamente”, afirma o professor Marco Tadeu Grassi, coordenador do grupo no Departamento de Química da UFPR.
Grassi coordena outro projeto de pesquisa que busca estudar o comportamento biogeoquímico do ferro no Complexo Estuarino de Paranaguá, região no litoral do Paraná com áreas de Mata Atlântica, baías e manguezais. O objetivo é avaliar a influência das mudanças climáticas sobre os sistemas naturais por meio do que se percebe nos ciclos do ferro e do cobre.
Agora, a intenção é entender o que ocorre na Baía do Almirantado, localidade onde estão a maioria das estações de pesquisa na Antártica.
Nesta quarta-feira (26), das 9h30 às 11 horas, Grassi adianta informações sobre os estudos na Antártica na sua conferência pela 75ª Reunião Anual da SBPC no Anfiteatro 12 do Setor de Ciências Biológicas da UFPR, no Centro Politécnico, em Curitiba (veja aqui a programação científica completa).
O que a Antártica significa para estudos do meio ambiente? Cientificamente, ela representa mais do que um continente inóspito e distante?
A Antártica é muito importante para estudos sobre o meio ambiente. Pelas suas características peculiares, que incluem condições climáticas extremas e baixíssimas temperaturas, toda a região permanece bastante preservada, uma vez que o território é o único continente não habitado do nosso planeta.
Por conta destas características o continente tem uma importância enorme na compreensão de toda a história do planeta, assim como de inúmeros fenômenos que ocorrem na natureza.
Por exemplo, sabemos hoje que a região funciona como um “refrigerador” que ajuda a regular a temperatura da Terra. Foi na Antártica que se detectou pela primeira vez o buraco na camada de ozônio. Além disso, o espesso manto de gelo que existe sobre a placa continental aprisiona microbolhas de ar que guardam um registro histórico sobre a composição e as características da atmosfera terrestre.
A região da Baía do Almirantado tem alguma particularidade que a faz ser tão pesquisada?
A Península Antártica, onde se encontra a Baía do Almirantado, abriga uma variedade de pássaros e mamíferos. Como dito antes, a região pode ser considerada uma das poucas áreas relativamente preservadas do nosso planeta.
Ela é constituída de sistemas ecológicos sensíveis a mudanças ambientais ocorridas tanto em escala local quanto global, principalmente aquelas relacionadas às mudanças climáticas.
Nesse sentido, alterações na quantidade de gelo marinho, no aporte de material proveniente das áreas continentais, decorrentes do aquecimento global, podem provocar mudanças envolvendo constituintes importantes de todo este ecossistema subantártico.
Na baía encontram-se cinco estações científicas de diferentes países, incluindo a estação de pesquisa brasileira. Nas proximidades localizam-se também quase uma dezena de outras estações de pesquisa.
Devido a estes aspectos, entre outros, a Baía do Almirantado desperta um grande interesse na comunidade científica que trabalha na Antártica, representando praticamente um laboratório onde diferentes projetos acabam sendo desenvolvidos.
O que a biogeoquímica do ferro é capaz de apontar sobre a situação ambiental de um lugar? Existe diferença, em termos de conclusões a que se pode chegar, entre medir esse ciclo na água e no solo?
Apesar de ser um dos elementos mais abundantes na crosta terrestre e de ser encontrado em grandes quantidades nos constituintes minerais do solo, o ferro é o micronutriente limitante da fotossíntese em águas marinhas, onde suas concentrações são extremamente baixas.
É sua disponibilidade que determina a extensão da produção e do crescimento de microalgas, que representam a base de toda a cadeia alimentar nos oceanos. A fotossíntese também é importante na fixação de dióxido de carbono, um dos principais gases do chamado efeito estufa.
Como estamos falando de uma região bastante remota, é pouco provável que o ferro disponível no oceano austral venha de outras regiões do planeta, sendo ele próprio a principal fonte de ferro, majoritariamente.
No caso do mar da Antártica, por quais mudanças ele tem passado quanto ao ciclo biogeoquímico estudado? O que isso significa?
Como o mar se congela durante o inverno, acredita-se que este oceano congelado possa ser a fonte dominante de ferro para as águas polares quando ocorre o derretimento do gelo, nos períodos mais quentes. Este processo contribui com a fertilização das águas da região, impulsionando a chamada “bomba biológica”, a partir da fotossíntese.
Nesse contexto, nossos estudos têm como objetivo aprofundar o conhecimento sobre como todo esse processo ocorre, de forma a elucidar questões relacionadas com as fontes de ferro, assim como seu comportamento e papel no crescimento da comunidade fitoplanctônica, na medida em que estes organismos acabam contribuindo com a presença de outras substâncias químicas que são essenciais para todo o ecossistema antártico.
Este registro é importante também dado que toda a região subantártica tem se mostrado bastante sensível ao aumento de temperatura global, fator que pode gerar um desequilíbrio nos ecossistemas da região.
Ficará algum alerta da sua conferência?
O principal alerta da conferência está relacionado à necessidade urgente da adoção de medidas que visem a mitigação dos efeitos provocados pelo aquecimento global.
Nesse sentido, está mais do que evidente que alterações provocadas pelas mudanças climáticas podem ter consequência bastante graves não apenas para os ecossistemas subantárticos, como também para outras regiões, em especial para os países do Atlântico Sul, como é o caso do Brasil.