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Artigo | Giovanna Rodrigues, Luiza Figueiredo Farias, Christine Wetzel e Deise Lisboa Riquinho apresentam um relato da ação de extensão Diálogos Negros, que acontece desde 2019
*Por Giovanna Rodrigues, Luiza Figueiredo Farias, Christine Wetzel e Deise Lisboa Riquinho
*Ilustração: Jéssica Michelin/IA-UFRGS
A carência de pessoas negras ocupando espaço docente na Universidade, em especial na Escola de Enfermagem, desencadeou a reflexão sobre a presença negra e produziu o questionamento sobre onde estão os negros da Universidade. Ao entrar nesse espaço, foi possível presenciar que a maioria dos funcionários terceirizados da higienização são pessoas negras, ao passo que docentes são majoritariamente mulheres brancas.
O currículo acadêmico é moldado de referências eurocêntricas, o que subverte outras possibilidades de existência e de práticas de cuidado, falando em enfermagem. Foi então que duas discentes na sétima etapa do curso, ao compartilharem observações às lacunas nas disciplinas sobre a temática, buscaram o apoio de duas professoras que, em suas áreas de atuação (Saúde Coletiva e Saúde Mental), já abordavam assuntos como determinantes sociais em saúde e vulnerabilidades e que, mesmo sem tratar com um maior aprofundamento o racismo, traziam uma perspectiva de análise do processo saúde-doença e que inclui outras dimensões, não apenas a biomédica.
E, com inspiração nessa ideia de um espaço dialógico, surgiram os Diálogos Negros. Começou com o planejamento: o que e como fazer. Após algumas reuniões, esboçou-se o título, a frequência dos encontros e os temas que seriam abordados. O curso de promotoras da saúde da população negra foi um orientador de onde começar em relação aos temas e convidados. O público-alvo eram estudantes e servidores da Universidade, profissionais, participantes de movimentos sociais e a sociedade em geral, tendo o protagonismo de palestrantes pretas. A atividade foi realizada em encontros mensais, sendo que a primeira edição ocorreu de maio a novembro de 2019. Naquele ano, participaram 71 pessoas, sendo uma média de 14 pessoas por encontro. Chamou atenção a adesão por parte das docentes, visto que sempre houve uma participação considerável, pelo menos de um terço dos presentes, fato que permaneceu na segunda edição.
No ano de 2020, o primeiro encontro ocorreu no mês de março em parceria com o Bacharelado em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem. O encontro foi presencial e contou com 150 pessoas. A seguir, com a progressão da pandemia de covid-19 e a interrupção das atividades presenciais, houve a necessidade de reorganizar a ação, que foi retomada no mês de junho com atividades virtuais por meio de plataformas disponibilizadas pela Universidade. Seguiu-se com a mesma sistemática de convidar um ou dois palestrantes para apresentar temas previamente acordados que abordassem as questões étnico-raciais. Quando possível, uma atividade cultural fazia parte do encontro. Os encontros virtuais contavam de 20 a 30 participantes por atividade.
A síntese do número de encontros, temas e instituições que os convidados representavam em ambos os anos é apresentado no quadro abaixo:
Encontros de 2019
| NÚMERO DE ENCONTROS | TEMAS | INSTITUIÇÃO REPRESENTADA |
| 1 | Aspectos históricos e protagonismo na construção da sociedade gaúcha e brasileira | Programa de Pós-graduação em História da UFRGS |
| 2 | Incidência e agravos à saúde da população negra | Programa de Pós-graduação em Antropologia da UFRGS/IFBA |
| 3 | Determinantes sociais, políticas públicas de saúde da população negra | Programa de Pós-graduação SociologiaUFRGS/GHC |
| 4 | Direitos sexuais e reprodutivos: sexualidade e raça, feminicídio e empoderamento | RIMS HCPA/Ação Rua |
| 5 | Saúde mental e racialidade: reflexões teórico-vivenciais | Programa de Pós-graduação em Psicologia na UFRGS/Teatro “levanta favela – Malone Morre” |
| ENCONTROS DE 2020 | ||
| 1 | Racismo estrutural: desafios e enfrentamentos antirracistas | Programa de Pós-graduação Sociologia e Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural/UFRGS; Meninas Crespas |
| 2 | Trabalho, Mulheres e Racismo | Programa de Pós-graduação em Psicologia Social – UFRGS |
| 3 | Formandos Negros da Enfermagem Histórias e Trajetórias | Formandos do curso de Enfermagem de 2020/01 UFRGS |
| 4 | Saúde Integral da População LGBTQI+ Demandas e Desafios | Bacharelado em Saúde Coletiva da UFRGS |
| 5 | Raça e Gênero: Os Debates Possíveis Através da Arte | Universidade Estadual do Rio Grande do Sul |
| 6 | Religiões de Matriz Africana e a Saúde: uma proposta vinda da População negra para toda a Humanidade | Programa de Pós-graduação Sociologia da UFRGS |
| 7 | Festival Novembro Negro: Promotoras da Saúde da População Negra | Promotoras da Saúde da População Negra de Porto Alegre |
| 9 | Mulheres na Ciência | Associação das Enfermeiras do Hospital de Clínicas de Porto A/legre e Programa de Pós-graduação em Enfermagem da UFRGS |
Quadro 1 – Síntese dos temas discutidos nos encontros dos Diálogos Negros, nos anos de 2019 e 2020.
Ao refletir sobre a construção do projeto de extensão Diálogos Negros, na Escola de Enfermagem da UFRGS, como estratégia de enfrentamento ao racismo, observou-se que tal iniciativa trouxe à luz um tema pouco trabalhado. Os encontros tinham como base o racismo estrutural e cada convidado desenvolvia sua fala dentro de sua área de atuação.
Ressalte-se que o protagonismo da idealização do projeto foi de mulheres negras universitárias que, dentro da academia, observaram a urgência de tratar de temas étnico-raciais e o modo como a intersecção raça/cor produz iniquidades em saúde. O projeto foi desenvolvido de forma caseira, com recursos pessoais e, mesmo com limitações de recursos financeiros, foi possível reunir pessoas interessadas em estar no nosso espaço.
Observou-se que os temas abordados foram importantes na leitura social crítica e como uma intervenção educativa na qual os ouvintes se tornassem multiplicadores de pensamentos e ações antirracistas para a construção de uma sociedade mais justa e livre de preconceitos. Assim, salienta-se a necessidade de se levarem temáticas étnico-raciais para os currículos universitários da área da Saúde.
Giovanna Rodrigues é Enfermeira egressa da Escola de Enfermagem.
Luiza Figueiredo Farias é Enfermeira egressa da Escola de Enfermagem.
Christine Wetzel é professora do Departamento de Assistência e Orientação Profissional da Escola de Enfermagem.
Deise Lisboa Riquinho é professora do Departamento de Assistência e Orientação Profissional da Escola de Enfermagem.