Publicado originalmente em Agência Lupa por Evelyn Fagundes. Para acessar, clique aqui.
Circula nas redes sociais um vídeo em que uma mulher, que se apresenta como odontóloga e fala em espanhol, afirma ter encontrado grafeno nas vacinas contra hepatite B por meio de uma análise do material feita com microscópio óptico. É falso.
De acordo com especialista consultado pela Lupa, não é possível identificar grafeno com microscópios simples, como o aparelho óptico utilizado pela mulher na gravação.
Por WhatsApp, leitores sugeriram que esse conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação?:
ATENÇÃO!!!!
Vacina para Hepatite B (rADN) com Óxido de Grafeno
– Mensagem que acompanha o vídeo que circula nas redes sociais
Falso
No vídeo analisado, a observação feita pela mulher com o microscópio óptico não é capaz de identificar a presença de grafeno. De acordo com Carolina Jauris, professora do departamento de Química da Universidade Federal de Santa Maria, para identificar o grafeno, que é um nanomaterial, o aparelho óptico é insuficiente, sendo necessária a técnica de espectroscopia Raman, um laser que incide na amostra e permite comprovar a existência de grafeno.
“O vídeo não comprova a presença de óxido de grafeno e muito menos de pontos quânticos na vacina”, disse a especialista em síntese e caracterização de nanomateriais. “A forma mais adequada de comprovar se existem ou não nanomateriais de carbono como o grafeno e os pontos quânticos de óxido de grafeno é utilizando a espectroscopia Raman e observando se encontramos ou não seu espectro característico”.
Segundo a professora, existem outros microscópios mais sofisticados de resolução superior ao aparelho óptico, como as microscopias eletrônicas de varredura, de transmissão ou de força atômica, que podem auxiliar a enxergar o grafeno. O aparelho eletrônico de varredura, por exemplo, pode aumentar a imagem de 10 mil a quase 1 milhão de vezes, dependendo do material, enquanto o óptico é capaz de aumentar em até 2 mil vezes (página 3). No entanto, Carolina Jauris afirma que apenas a espectroscopia Raman identifica com assertividade o material e fornece a impressão digital do grafeno.
“A espectroscopia Raman foi a principal técnica utilizada pelos cientistas Andre Geim e Konstantin Novoselov, que ganharam o Prêmio Nobel de Física em 2010, justamente porque comprovaram a existência do grafeno isolado. As microscopias ajudam, mas não dão 100% de certeza”, discorreu a especialista.
Em nota, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que, atualmente, existem quatro registros válidos de vacinas contra a hepatite B e nenhum destes produtos contém grafeno em sua composição.
Para o químico formado pela Universidade de São Paulo (USP) Nilton Roberto Fiorotto, os elementos apresentados no vídeo não são grafeno, mas podem ser partes de hidróxido de alumínio, que são ingredientes contidos em algumas vacinas. No entanto, como afirmou Fiorotto, a visualização desse elemento só pôde ser possível por uma má homogeneização dos componentes, que pode ter sido causada pelo armazenamento incorreto.
“Penso que os pontos que a dentista observou correspondem aos adjuvantes utilizados na vacina, como o hidróxido de alumínio”, disse Fiorotto.
Hidróxido de alumínio não é tóxico
No Brasil, existem quatro registros de vacinas contra hepatite B aprovados pela Anvisa. São os fármacos: Engerix B, EUVAX B, TWINRIX e a vacina adsorvida hepatite B (recombinante), produzida pelo Instituto Butantan. O Ministério da Saúde distribui o imunizante do Butantan ao SUS para a aplicação na população. De acordo com a bula, não existe grafeno em sua composição, mas hidróxido de alumínio, substância que, como Fiorotto pontuou, funciona como adjuvante, isto é, um potencializador para os efeitos da vacina.
Segundo o Instituto Butantan, o hidróxido de alumínio é um ingrediente utilizado em diversas outras vacinas, como a CoronaVac, e serve para aprimorar “o trabalho da vacina de provocar uma resposta imunológica no organismo”. Ainda de acordo com o instituto, esse adjuvante é convencionalmente usado também em medicamentos e “não apresenta qualquer risco de toxicidade nem causa magnetismo”.
No vídeo desinformativo, a mulher que manuseia o aparelho óptico não cita informações sobre o produtor, importador ou empresa responsável pela vacina mostrada. Em imagens publicadas por ela em suas redes, é exibido o rótulo do frasco do suposto imunizante contra hepatite. Nota-se que não existem dados sobre a marca, apenas descrições em espanhol, língua falada pela mulher no vídeo.
Grafeno não está presente em vacinas
O grafeno é uma substância composta de carbono e sua aparência se assemelha a pequenas lâminas de grafite. É um material leve, fino e que se destaca na condução de calor e eletricidade.
“É um material com propriedades incríveis. Vários trabalhos vêm sendo feitos mostrando diferentes potencialidades do grafeno, para a descontaminação ambiental, geração e armazenamento de energia limpa, até mesmo na agricultura e na área médica”, comentou Carolina Jauris, que desenvolveu uma pesquisa sobre o composto na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
De acordo com a especialista, na medicina estudos mostram o potencial da utilização do nanomaterial em implantes dentais e também no combate a células cancerígenas do corpo.
Não é a primeira vez que conteúdos circulam nas redes com a narrativa de que foi encontrado grafeno em algum tipo de vacina. Em março, a Lupa fez uma verificação sobre um vídeo em que um grupo de pessoas afirmava ter encontrado grafeno em vacinas contra Covid-19, o que é falso.
Além disso, no início de junho, a Lupa verificou um áudio que afirmava que dez alimentos comercializados no Brasil foram contaminados por grafeno, o que também foi avaliado como falso. A fórmula dos produtos citados não contém a substância e o Ministério da Agricultura e Pecuária afirmou que não houve alteração nos ingredientes dos itens.