Publicado originalmente em *Desinformante por Liz Nóbrega. Para acessar, clique aqui.
Foi divulgado esta semana nos Estados Unidos o Surgeon General’s Advisory on Social Media and Youth Mental Health, uma recomendação pública que busca chamar a atenção sobre os efeitos das mídias sociais na saúde mental dos jovens. O material registrou que crianças e adolescentes que passam mais de três horas por dia nas redes correm o dobro do risco de adquirirem problemas de saúde mental, incluindo sintomas de depressão e ansiedade.
“Nossas crianças e adolescentes não podem se dar ao luxo de esperar anos até que conheçamos toda a extensão do impacto da mídia social. Suas infâncias e desenvolvimento estão acontecendo agora. Embora o uso da mídia social possa ter impactos positivos para algumas crianças, as evidências observadas ao longo deste Surgeon General’s Advisory exigem uma preocupação significativa com a maneira como ela é projetada, implantada e utilizada atualmente”, diz o relatório norte- americano.
O relatório, que foi desenvolvido por meio de uma revisão de pesquisas científicas sobre o tema, aponta que entre os danos está a perpetuação da insatisfação corporal, 46% dos adolescentes de 13 a 17 anos disseram que as mídias sociais fazem com que eles se sintam piores. Além disso, ressalta como pode ser nociva a exposição a determinados conteúdos, cerca de ? dos adolescentes são expostos frequentemente ou às vezes a publicações baseadas em ódio.
Além dos riscos de contato com conteúdo violento, a recomendação também aborda a ameaça de abusos e assédio online. Outro ponto elencado são os danos causados pelo tempo de exposição às telas, estimulada pelas notificações, pushs, sistema de rolagem infinita, recomendação automática e outros mecanismos das plataformas de redes sociais que buscam maximizar o engajamento nas redes, alimentando a chamada economia da atenção.
“Em uma pesquisa nacionalmente representativa com meninas de 11 a 15 anos, um terço ou mais dizem que se sentem ‘viciadas’ em uma plataforma de mídia social. Mais da metade dos adolescentes relata que seria difícil sair das mídias sociais”, elenca o relatório. Entre as consequências, indica o órgão, estão problemas de sono, atenção e socialização dos jovens.
No início do mês, uma das organizações de saúde mental mais proeminentes dos Estados Unidos também lançou um conjunto de diretrizes destinadas a proteger as crianças dos danos potenciais das mídias sociais, indicando que as redes sociais devem ser usadas com cuidado.
“Quase todo adolescente na América usa mídia social, mas não temos evidências suficientes para concluir que é suficientemente seguro para eles. Nossos filhos se tornaram participantes inconscientes de um experimento de décadas. É fundamental que pesquisadores independentes e empresas de tecnologia trabalhem juntos para avançar rapidamente em nossa compreensão do impacto da mídia social em crianças e adolescentes”, registrou o Surgeon General’s Advisory, apontando que existem perguntas não respondidas e um vácuo que precisa ser preenchido nesses estudos.
Em entrevista ao *desinformante, a coordenadora do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, Maria Mello, explicou que os riscos que os jovens estão sujeitos nas redes são categorizados em quatro tipos: de conteúdo, de conduta, de contato e do consumidor. Além dos riscos transversais, como os de privacidade e à saúde e bem-estar. Para ela, as plataformas de redes sociais têm feito muito pouco para a proteção das crianças e adolescentes, muitas vezes indo na contramão do seu melhor interesse.
Possíveis saídas
“Em um momento em que vivemos uma crise nacional de saúde mental juvenil, agora é a hora de agir com rapidez e determinação para proteger crianças e adolescentes do risco de danos. Até o momento, o ônus de proteger os jovens recai predominantemente sobre crianças, adolescentes e suas famílias”, destacou o relatório ao traçar ações que precisam ser tomadas para o combate ao problema.
O órgão norteamericano pontua que as big techs devem avaliar os impactos dos seus produtos, compartilhar dados e desenvolver serviços que priorizem a segurança e saúde dos jovens. Para eles, os pesquisadores precisam priorizar as pesquisas sobre saúde mental e redes sociais para embasar práticas de apoio à saúde das crianças. Além disso, reforça o papel dos pais em estabelecer limites à tecnologia e ensinar sobre comportamento online responsável.
O Surgeon General’s Advisory também traz um olhar específico para a criação de legislações e políticas públicas que possam fortalecer os padrões de segurança e limitar o acesso de forma a tornar a mídia social mais segura para crianças de todas as idades, proteger melhor a privacidade das crianças, apoiar a alfabetização digital e midiática e financiar pesquisas adicionais.
Esta também é a conclusão de Maria Mello para o cenário brasileiro. “É fundamental que a gente tenha um processo regulatório de plataforma dentro dos padrões legais do Brasil”, crava. Para ela, é preciso prevenir as violações dos direitos individuais coletivos das crianças e priorizar o melhor interesse desses indivíduos hipervulneráveis.
PL 2630 pode ser primeiro passo
Mello acredita que, no Brasil, o PL 2630 pode ser um primeiro passo para esse caminho por trazer um capítulo específico para a proteção das crianças e adolescentes. Nele estão inclusos questões como a proibição para a criação de perfis comportamentais desse público para fins publicitários, a necessidade de publicação de relatórios com avaliação de riscos, criação de canais de denúncia e de sistemas de verificação etária, além dos esforços colocados no texto para o investimento em educação midiática.
No entanto, mesmo que seja aprovado, ele ainda não é suficiente, pontua a especialista. “A gente vai ter que olhar também para a ideia de direitos de crianças e adolescentes por design, é uma ideia que se baseia no desenvolvimento da concepção dos produtos e serviços que crianças possam acessar”, complementa. Além disso, destaca a relevância de também se ter uma regulação econômica das plataformas, que possa garantir um mercado mais diverso com, inclusive, plataformas mais adequadas ao público infantil.