Povos de terreiro cobram mais rigor e católicos divulgam carta em apoio ao PL 2630

Publicado originalmente em *Desinformante por Ana D’angelo. Para acessar, clique aqui.

Como uma resposta ao movimento da bancada evangélica no Congresso Nacional, que se posicionou contra o PL 2630 ou das Fake News, lideranças religiosas católicas e de matriz africana decidiram se posicionar em relação ao projeto nas últimas semanas. A bancada evangélica teve papel crucial na disseminação de narrativas contrárias ao projeto como associar o texto à censura e ao fim da liberdade religiosa nas redes sociais.

Organizações ligadas à Igreja Católica divulgaram uma carta, no último dia 8 de maio, em defesa da aprovação do 2630.  As entidades consideram que, à luz do Evangelho, a nova legislação trará liberdade, responsabilidade e transparência à internet.

“Garantir transparência nos processos e garantir mecanismos que visam a responsabilização por conteúdos maliciosos não é censura, como vem sendo defendido por grupos opositores ao projeto”, menciona o texto.

O documento também lembra que a regulação pública das plataformas está acontecendo em outras partes do mundo, é fundamental para o pleno exercício da democracia e combate à criminalidade, os discursos de ódio e à desinformação. “Garantir transparência nos processos e garantir mecanismos que visam a responsabilização por conteúdos maliciosos não é censura, como vem sendo defendido por grupos opositores ao projeto. É indispensável que seja criada uma entidade independente para fiscalizar o cumprimento das regras, instaurar processos administrativos e aplicar sanções”, diz o texto. 

Assinam a carta: a Associação SIGNIS Brasil, a Pastoral da Comunicação (Pascom Brasil), o Grupo de Reflexão sobre Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), o Observatório da Comunicação Religiosa (OCR), o Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) da PUC Minas e a Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP).

No início de maio, sacerdotisas, sacerdotes, autoridades de matriz africana, pesquisadores e militantes sociais de todas as regiões do país encaminharam o documento “Manifestação dos Povos de Terreiro Sobre o PL das Fake News (PL 2630/2020)” ao relator deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) e para todos os deputados federais.

Ao longo do seu conteúdo, segundo publicou a revista Afirmativa, a manifestação apresenta 10 contribuições e cobra comprometimento para enfrentar o racismo racismo religioso. Seguem destaques do manifesto, de acordo com matéria da revista Afirmativa:

  • Só com o Estatuto da Igualdade Racial – Lei 12.288/2010 – pela primeira vez na história, em nível federal, surgiu um Capítulo inteiro sobre a proteção às expressões religiosas dos povos e comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana;
  • As previsões genéricas sobre liberdade religiosa da Constituição Federal de 1988 nunca impediram que os templos de matriz africana sofressem repressões e não conseguiram garantir-lhes o reconhecimento jurídico dado a outras religiões;
  • Denominações religiosas cristãs sempre gozaram de liberdade religiosa e, historicamente, atuaram na repressão aos povos de terreiro, sob a justificativa do exercício da liberdade de expressão;
  • A liberdade de expressão deve conviver em harmonia com outros preceitos constitucionais, especialmente a não-discriminação, a igualdade e a proteção dos direitos humanos, sob pena de enquadramento como discurso de ódio;
  • O discurso de ódio contra os povos e comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana é uma realidade, e aponta três casos para justificar a afirmação: Reportagem da Folha Universal de 1999 que desencadeou a morte de Mãe Gilda; O programa de TV “A voz das religiões afro”, resultante de condenação em Ação Civil Pública ajuizada diante dos ataques veiculados no programa “Mistérios” e no quadro “Sessão de Descarrego”, da Igreja Universal do Reino de Deus, transmitidos pelas Rede Record e Rede Mulher, e; O caso que foi parar na polícia do Estado de Sergipe, em 2020, após uma influenciadora ter divulgado um vídeo nas redes sociais com ataques a religiões de matriz africana;
  • Que, nesses casos os meios de comunicação foram usados para promover o ódio
  • Lamenta que o Relator na nova redação do PL, inseriu um novo inciso para garantir que as religiões podem fazer exposição plena dos seus dogmas e livros sagrados, mas não se referiu ao Estatuto da Igualdade Racial e à Lei Caó como princípios a seguir no mesmo artigo, e nem mencionou dentro das obrigações de dever de cuidado, as previsões sobre discurso de ódio constantes no Estatuto da Igualdade Racial;
  • Outras leis abordam o controle do discurso de ódio, como o Código Brasileiro de Telecomunicações e a Lei nº 9.612, que institui o serviço de radiodifusão comunitária;
  • Critica, ainda, a última versão do PL por ter excluído que o Poder Público deve desenvolver ações direcionadas para responder aos danos coletivos resultantes de condutas de que trata a Lei das Fake News, incluindo a criação de áreas especializadas, pois, a Constituição já estabelece o combate à discriminação racial e religiosa como objetivos fundamentais, atribui ao Ministério Público tal função e a Lei de Ação Civil Pública prevê a proteção aos grupos raciais, étnicos e religiosos;
  • Que tais direitos já são reconhecidos em normas de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, tais como a Declaração de Princípios sobre Tolerância (1995), a Declaração e Plano de Ação de Durban (2001) e a Convenção Interamericana contra o Racismo (2013).

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