Amazon vende livros com protocolos falsos de ‘detox’ de vacinas

Publicado originalmente em Agência Lupa por Carol Macário. Para acessar, clique aqui.

Livros com falsos protocolos de “detox” de vacinas da Covid-19 estão à venda na Amazon. Levantamento exclusivo da Lupa mostrou que a maioria das obras comercializadas promete receitas para supostamente “reverter” o efeito dos imunizantes —  o que não tem nenhuma base científica

A reportagem identificou pelo menos 20 obras em inglês com as palavras “detox covid vaccine” que dão instruções para desintoxicar pessoas imunizadas. O comércio envolve também livros que atacam a segurança e eficácia das vacinas contra a Covid-19, muitos baseados em teorias conspiratórias já desmentidas por cientistas.

Vacinas não são agentes tóxicos. Portanto, não faz sentido usar os termos “detox” ou “desintoxicação”, uma vez que essas fórmulas têm o objetivo de gerar uma resposta imunológica que protege o indivíduo em caso de exposição a um vírus ou bactéria.

Livros digitais à venda na Amazon prometem detox de vacina e protocolos até para crianças

De acordo com o Conselho Federal de Farmácia, o conceito de intoxicação refere-se ao aparecimento de sinais e sintomas mediante o contato com produtos químicos, geralmente por inalação ou ingestão. “Todas as vacinas aprovadas em ensaios clínicos e em pleno uso pela população não causam intoxicação, pois passaram por testes de segurança em um grupo enorme de pessoas antes de serem utilizadas amplamente”, reforça a entidade.

No começo de maio, uma outra reportagem da Lupa identificou um comércio irregular de fitoterápicos também para supostamente fazer “detox” de vacinas. Sem comprovação científica nem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os extratos de plantas sem indicação médica podem oferecer riscos à saúde. 

Obras não foram escritas por médicos

Dentre os livros que aparecem com destaque nas buscas da Amazon estão os de uma autora chamada C. J. Zingle, uma bioquímica norte-americana que trabalhou na indústria farmacêutica e que desde 2020 atua com naturopatia. 

Livros de C. J. Zingle estão disponíveis em três idiomas

Ela disponibiliza livros em inglês, português e espanhol chamados Protocolo de Desintoxicação de Vacinas e Proteção contra Derramamento de Proteína Pico [proteína Spike]. A descrição da publicação indica que nas páginas estão instruções “úteis para proteger aqueles preocupados com o derramamento de proteína Spike de quem foi injetado”. Também faz falsos alertas de que, quanto mais se espera, “mais tempo a vacina tem para incubar e reagir dentro do corpo e mais provável é que haja danos à saúde” — o que não é verdade.

Como já explicado pela Lupa, a proteína Spike (encontrada no Sars-CoV-2) gerada pela imunização com vacinas de RNA mensageiro (ou mRNA), como a da Pfizer, por exemplo, não fica para sempre no organismo. A vacinação apenas estimula o organismo a criar anticorpos para que possa se defender em caso de infecção pelo vírus real. Depois de algumas semanas, as proteínas desaparecem.

A jornalista, coach e praticante de medicina alternativa Maryam Henein, canadense radicada nos Estados Unidos, também publicou dois livros sobre o tema. O primeiro, chamado Compreendendo os mecanismos das “vacinas” Covid-19: introduzindo a modificação do mRNA da terapia gênica, em tradução livre, foi publicado em março de 2023 ao preço de R$ 98 — assinantes da Amazon podem acessar a publicação gratuitamente.

Página de venda dos livros da coach Maryam Henein não fornece links para fontes oficiais de saúde

Ao contrário do que sugere Henein, as vacinas contra a Covid-19 não são produtos de terapia gênica — tratamento caracterizado por introduzir material genético em células com o objetivo de regular, reparar, substituir, adicionar ou deletar uma sequência genética para tratar doenças. As vacinas também não têm a capacidade de alterar o DNA humano.

Em 2022, a Anvisa explicou que as vacinas que empregam em sua tecnologia o código genético do Sars-CoV-2 “não são produtos de terapia gênica porque não se utilizam de cópias de genes humanos para tratamentos de doenças”.

Além da Anvisa, outras agências reguladoras internacionais, como a Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, excluem as vacinas de material genético de agentes infecciosos do grupo de produtos de terapia gênica. 

Outra obra da autora, lançada em 5 de maio, apresenta, ao longo de 77 páginas, um compilado de receitas “detox” de vacina.

Em abril, uma reportagem da Lupa identificou quatro falsos protocolos de “desintoxicação” que circulam nas redes sociais e serviços de mensagem instantânea. As receitas incluíam substâncias como antiparasitários, chás e até dióxido de cloro, que oferecem riscos à saúde.  

Vacinas contra Covid-19 salvaram vidas

Todos os imunizantes contra a Covid-19 em uso no Brasil são seguros e eficazes. As fórmulas passaram por fases de testes em humanos que envolveram milhares de voluntários, como indicam agências reguladoras e órgãos nacionais e internacionais, incluindo a própria Organização Mundial da Saúde (OMS).

Um estudo divulgado em julho de 2022 por cientistas do Reino Unido calculou que o primeiro ano de imunização contra o novo coronavírus pode ter salvado quase 20 milhões de vidas em todo o planeta — sendo 1 milhão só no Brasil.

O que diz a Amazon

Amazon informa em suas diretrizes que não são permitidos produtos de “saúde e bem-estar, como medicamentos e suplementos vendidos sem prescrição (OTC), produtos e dispositivos médicos” que aleguem “diagnosticar, curar, mitigar, tratar ou prevenir uma doença ou dependência”, “desencorajar clientes de marcarem consultas com um profissional médico qualificado” e ainda “fazer alegações não realistas ou sem relação com a eficácia do produto”.

Procurada pela Lupa, a assessoria da empresa informou que encoraja os consumidores a “procurarem fontes oficiais atualizadas para receberem informações de saúde e prevenção, como o Ministério da Saúde” e que remove produtos que não aderem a suas diretrizes, prontamente investigando e agindo nesses casos. A Amazon também afirmou que adiciona links no topo de buscas sobre Covid-19. 

As páginas de venda de alguns livros identificados pela reportagem dentro da Amazon, no entanto, não indicam qualquer botão ou link para fontes oficiais, como a do Ministério da Saúde.

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