Publicado originalmente em Brasil de Fato por Leonardo Sakamoto. Para acessar, clique aqui.
Eles queriam culpar as vítimas pela balbúrdia do 8/1, mas comissão pode acabar pautada por descobertas de Moraes e da PF
Aliados de Jair Bolsonaro conseguiram aprovar uma CPMI do Golpe para tentar convencer a opinião pública de que a culpa pelo ataque a Brasília foi das vítimas. Será que não contavam com a quantidade de revelações constrangedoras que serão liberadas durante o trabalho da comissão pela investigação da Polícia Federal sob supervisão de Alexandre de Moraes, mostrando que o bolsonarismo planejou com afinco a derrubada da República?
Já tínhamos presenciado conversas sobre um golpe de Estado entre o ex-major Ailton Barros, amigão de Bolsonaro, com o faz-tudo do então presidente, o tenente-coronel Mauro Cid. Ambos estão presos e com os celulares apreendidos em meio à operação que investiga fraude em dados de vacinação. Nas redes sociais, aliados de Jair tentaram minimizar, dizendo que Barros era um falastrão.
Agora, a história escala vários degraus ao envolver o coronel da reserva Élcio Franco, homem de confiança do governo, que foi colocado como secretário-executivo do Ministério da Saúde para ajudar o general Eduardo Pazuello.
Ambos coordenaram aquela lambança incompetente e negacionista na pasta, permitindo a morte de milhares de pessoas durante a pandemia. O nome dele aparece na CPI da Covid não apenas por acusações de demora deliberada na compra de vacinas, mas também de permitir superfaturamento.
Franco e Barros discutiram as possibilidades para um golpe de Estado, incluindo a mobilização de 1,5 mil militares, a prisão do ministro Alexandre de Moraes, o medo do comandante do Exército de apoiar o ato e a chance de Bolsonaro ser preso. As conversas, que fazem parte dos áudios encontrados nos celulares apreendidos, foram divulgadas pela CNN Brasil.
“O Freire [Gomes, comandante do Exército na época] não vai. Você não vai esperar dele que ele tome à frente nesse assunto, mas ele não pode impedir de receber a ordem. Ele vai dizer, morrer de pé junto, porque ele tá mostrando. Ele tá com medo das consequências, pô. Medo das consequências é o quê? Ele ter insuflado? Qual foi a sua assessoria? Ele tá indo pra pior hipótese. E qual, qual é a pior hipótese?”, afirmou Franco.
Em um momento Barros afirma: “Esse alto comando de merda. que não quer fazer as porras, é preciso convencer o comandante da Brigada de Operações Especiais de Goiânia a prender o Alexandre de Moraes. Vamos organizar, desenvolver, instruir e equipar 1.500 homens”.
E com a conversa entre esses três militares próximos, as evidências vão chegando mais perto de Jair, o grande responsável por fomentar a tentativa de golpe de Estado. E vai ficando impossível de negar que um grupo de militares tentou perpetuar Bolsonaro no poder – o que é extremamente constrangedor para as Forças Armadas.
Aliás, militares terão que se manifestar bastante na CPI do Golpe. Vídeos do circuito interno do Palácio do Planalto, captados durante a invasão bolsonarista de 8 de janeiro, apontam que um grupo de militares que estava por lá no momento do quebra-quebra foi frouxo ou golpista. Conversavam, riam, checavam os celulares.
Em uma das gravações, divulgada após ordem do Supremo Tribunal Federal, cerca de dez deles, lotados no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), descansavam no anexo do Palácio, enquanto a horda destruía o edifício principal. Devem ter enchido de orgulho o antigo chefe, general Augusto Heleno – que deve ser convocado junto com o general Gonçalves Dias, indicado por Lula, que aparentemente não comandava a própria tropa.
Como profissionais altamente treinados e armados ficam com medo de efetuar prisões de baderneiros? Pois foi essa a justificativa dada por nove militares do GSI em depoimento à Polícia Federal. Some-se a isso que o coronel Paulo Jorge Fernandes da Hora, que comandava o Batalhão da Guarda Presidencial, foi flagrado em vídeo ajudando os vândalos a fugirem sem serem presos pela polícia após a destruição do Palácio do Planalto.
E após a invasão das sedes dos Três Poderes, o Exército impediu a entrada da Polícia Militar para prender golpistas no acampamento em frente ao QG. Com isso, muitos bolsonaristas tiveram tempo de fugir. O então comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, disse a Lula que haveria um banho de sangue se a PM entrasse. Diante dessa chantagem, o presidente cedeu. Treze dias depois, Lula escolheu o legalista Tomás Ribeiro Paiva para substituir Arruda.
E muito antes das hordas vandalizarem o Palácio do Planalto, o Congresso e o STF, em 8 de janeiro, antes mesmo dos trancamentos de rodovias para tentar evitar a posse de Lula (que ocorreram sob vistas grossas da Polícia Rodoviária Federal), a primeira tentativa de golpe foi executada no dia 30 de outubro, quando a PRF, sob as ordens do próprio Torres, criou bloqueios que dificultaram o deslocamento de eleitores, principalmente no Nordeste. Onde o petista tinha maioria.
Inquérito da Polícia Federal sobre o caso aponta que o setor de inteligência do Ministério da Justiça fez um levantamento dos locais onde o petista foi mais votado para subsidiar bloqueios de estradas no segundo turno. Não só isso, como Torres viajou à Bahia para pedir apoio da superintendência da PF local à ação da PRF. Em depoimento, nesta segunda (8), ele negou tudo isso.
Já como secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, ele deixou a estrutura do policiamento da Esplanada dos Ministérios frouxa e viajou para os Estados Unidos, onde teria se encontrado com Jair Bolsonaro, em autoexílio desde que havia deixado a Presidência. A PM, por conta de suas decisões, não foi capaz de conter os golpistas no 8 de janeiro.
Depois disso, ainda surgiu um documento de natureza golpista no armário de sua casa, guardado por burrice, certeza de impunidade ou, psicanaliticamente, uma vontade inconsciente de ser descoberto. Dava autoridade aos militares para atropelarem o Tribunal Superior Eleitoral e melar as eleições.
Para azar do bolsonarismo, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto a Polícia Federal estão empenhados em descobrir todos os que planejaram o golpismo. Como suas ações estão muito mais avançadas do que a CPI, que ainda nem começou os trabalhos, corre o risco de a comissão ser pautada pelas decisões de Moraes e as ações do PF ou pelo conteúdo a ser compartilhado por eles.
Deve ter gente no Congresso rangendo os dentes de arrependimento.