Varrer as redes sociais para debaixo do tapete não é solução

Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Daniela Machado. Para acessar, clique aqui.

O Brasil caminha para fechar o ano com mais de 171 milhões de usuários de redes sociais, de acordo com o portal de estatísticas Statisa. Desse contingente, fazem parte crianças e jovens que, mesmo sem idade para oficialmente criarem contas e perfis nas plataformas, têm algum tipo de contato com o conteúdo que transita por elas.

Diante desse fato, há dois caminhos possíveis: proibir ou educar. A proibição, embora tentadora, significa ignorar que pré e adolescentes já estão expostos ao que as redes sociais têm de melhor e de pior, sem que necessariamente estejam preparados para fazer essa distinção. Educar é trabalhoso, mas talvez seja a solução mais efetiva diante daquilo que parece um caminho sem volta: a influência de novas tecnologias digitais na maneira como nos comunicamos, interagimos com o mundo e vivemos. 

No início do mês, uma decisão do governo do Estado de São Paulo provocou debates acalorados sobre o tema. A Secretaria de Educação decidiu bloquear o uso de redes sociais e streamings (serviços como Netflix e Globoplay) nas escolas estaduais, argumentando que a restrição visa “garantir um ambiente adequado para o aprendizado e evitar usos considerados inapropriados e/ou excessivo de redes, que podem prejudicar a qualidade da conexão e interferir no andamento das atividades pedagógicas”. 

Enxergar tais plataformas apenas como obstáculo é, de certa forma, se eximir da responsabilidade de guiar seu uso consciente e crítico. É privar os estudantes do acesso a conteúdos que podem enriquecer as aulas e torná-las mais conectadas com a realidade em que vivem. É dificultar o exercício da autoexpressão, já que jovens poderiam usar as redes de maneira positiva para mobilizar e engajar a comunidade escolar na resolução de problemas de sua região. 

Isso não significa uma defesa incondicional das redes. Pelo contrário: só poderemos participar da construção de um ecossistema digital melhor se pudermos conhecê-lo, entendendo a engrenagem por trás das plataformas, seu modelo de negócios, o modus operandi dos algoritmos, o papel dos influenciadores e tantos outros fenômenos que, feliz ou infelizmente, já fazem parte de nossas vidas. 

“As redes sociais são fonte de coisas magníficas e de coisas malignas; depende do uso que fazemos delas”, afirmou o ex-ministro e atual secretário de educação do Pará, Rossieli Soares, em evento organizado pelo YouTube esta semana. Nas escolas, ressaltou, é essencial que o uso da tecnologia tenha intencionalidade pedagógica clara. 

Não se trata de, simplesmente, autorizar o uso de celulares, tablets e outros dispositivos no ambiente escolar sem qualquer mediação ou planejamento. As tecnologias digitais só farão sentido se gestores e educadores puderem responder uma questão essencial antes de adotá-las: para quê?

Hoje, currículos já são construídos levando em consideração a relevância da internet em nossas vidas e a necessidade de “desvendá-la”, de modo a minimizar os riscos e ampliar as oportunidades de quem está conectado. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz essa preocupação e, em diversos momentos, trata da construção de habilidades ligadas ao universo digital, levando os estudantes a compreender fenômenos como o da desinformação e atuar para enfrentá-la.

Educar para as redes proporcionará aos estudantes um olhar mais crítico para consumir as informações que por elas transitam e responsabilidade para produzir e compartilhar conteúdos, entendendo o alcance que sua voz pode ter. A construção de tais competências é também pilar para que as crianças e jovens de hoje se tornem adultos mais conscientes do poder da comunicação, aptos a compreender que as redes sociais podem ser usadas para propagar fake news e discurso de ódio mas também para o exercício da cidadania e a diversidade de vozes numa sociedade cada vez mais conectada.

Num país de dimensões continentais e tamanha desigualdade como o Brasil, não se pode ignorar que uma parte dos estudantes sequer conta com internet estável nas escolas. Ainda assim, ignorar a existência das redes sociais não é uma boa solução — e pode, inclusive, ampliar a distância entre os jovens que têm a oportunidade de vivenciá-las com criticidade e aqueles que simplesmente não têm a chance de discuti-las em um ambiente mais seguro e mediado por educadores. Nesse caso, educar é melhor do que proibir.

*Daniela Machado é coordenadora do EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta

Compartilhe:

Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email
Share on linkedin
Share on telegram
Share on google

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Language »
Fonte
Contraste