Reino Unido não recomenda uso de spray nasal para tratamento precoce de COVID-19

Publicado originalmente em COVID-19 DivulgAÇÃO Científica por Catarina Chagas. Para acessar, clique aqui.

A substância budesonida ainda está sendo testada, e o uso deve obedecer critérios específicos, como intensidade dos sintomas, faixa etária e presença de comorbidades.

Mais uma postagem enganosa vem circulando no Twitter: segundo ela, o Reino Unido estaria endossando o uso precoce do spray nasal de budesonida como tratamento contra COVID-19. Curiosamente, a própria postagem inclui link para o documento do Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) que a contradiz. A leitura esclarece que não se trata de uma recomendação de tratamento precoce.

Em 12 de abril, o NHS publicou a declaração sobre o uso de budesonida – um corticoide usado para tratamento de asma e outras doenças respiratórias – para pacientes com COVID-19. “Neste momento, a budesonida inalada não está sendo recomendada para uso de rotina”, diz o documento. A instituição coloca, a seguir, a possibilidade de os médicos solicitarem uso off-label (saiba mais, abaixo, sobre o que isso significa) da substância em pacientes que atendem, concomitantemente, três critérios: diagnóstico confirmado, por teste PCR, de COVID-19 nos últimos 14 dias; que vêm apresentando sintomas; e que têm mais de 65 anos ou que têm entre 50 e 64 anos e comorbidades. Pacientes internados e pacientes cujos sintomas são muito leves ou estão melhorando não devem receber a substância, assim como pacientes que já estão fazendo uso de outros corticoides.

A orientação do NHS, que tem caráter provisório, está baseada nos resultados, ainda não revisados por pares, do estudo PRINCIPAL, liderado pela Universidade de Oxford, que investiga formas de reduzir a necessidade de internação em pacientes com COVID-19. Segundo o NHS, em um período de 28 dias, o ensaio não identificou redução estatisticamente significativa na hospitalização ou no óbito de pacientes tratados com budesonida nasal. O documento cita, ainda, um outro estudo, com poucos pacientes, publicado na revista Lancet.

O que significa uso off-label

Quando a autoridade sanitária de um país aprova uma determinada substância, o faz para indicações específicas, com base nas evidências científicas que mostram que tal substância é segura e eficaz contra o problema que pretende tratar. Assim, um medicamento aprovado para tratamento, por exemplo, de asma não pode simplesmente passar a ser utilizado contra COVID-19 ou qualquer outra doença.

No entanto, em alguns casos, admite-se a possibilidade de usar certos medicamentos para novas indicações, ainda não aprovadas pela autoridade sanitária local. “O uso off-label é o uso ainda não registrado no país, mas também precisa ser baseado em evidência”, esclarece a farmacêutica Claudia Garcia Serpa Osorio de Castro, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz. “Isso acontece, geralmente, em segmentos da população para os quais ainda não foi feito um ensaio clínico”. Por exemplo, para uma medicação que já foi aprovada para uso em adultos, mas ainda não testada em crianças ou gestantes, o uso nesses dois últimos grupos é considerado off-label.

Trocando em miúdos, é off-label qualquer utilização de um medicamento fora do que está previsto na bula. Em todo caso, é fundamental que o médico, ao prescrever uma medicação para uso off-label, avalie os riscos e benefícios do tratamento, além de informar o paciente sobre a falta de evidências suficientes para registro daquele uso específico da medicação prescrita.

Corticoides e COVID-19

Alguns estudos já mostraram que os medicamentos conhecidos como corticoides podem ser úteis no tratamento de pacientes com sintomas moderados a graves de COVID-19. Apesar de não combaterem a infecção pelo coronavírus, esses medicamentos atuam reduzindo a inflamação, o que pode auxiliar a recuperação desses pacientes.

“Há anos os corticoides vêm sendo usados em situações de inflamação que dificultam a respiração, como a asma”, lembra Castro. A especialista explica, também, que os corticoides inalatórios são mais seguros, pois agem diretamente nas vias aéreas e têm menos efeitos sistêmicos.

Mas, segundo Castro, não há qualquer indicação de uso de corticoide inalatório para prevenção da COVID-19, ou mesmo para o tratamento de casos leves. Além disso, é importante não fazer uso dessas ou outras substâncias sem orientação médica. “É, sem dúvida, importante que novas abordagens terapêuticas sejam pesquisadas”, diz. “Mas não podemos passar a recomendá-las antes da conclusão das pesquisas. No Brasil, falar em tratamento precoce contra a COVID-19 virou quase um fetiche.”

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