Projeto reúne e disponibiliza acervo de peças regionais

Publicado originalmente em Jornal Beira do Rio por Walter Pinto. Para acessar, clique aqui.

Em 2005, a professora Bene Martins, logo que começou a lecionar a disciplina Dramaturgia, no Curso Técnico de Teatro, na Escola de Teatro e Dança – ETDUFPA, da UFPA, ao perguntar aos seus alunos por dramaturgos amazônidas, constatou que os jovens estudantes pouco conheciam sobre a produção regional de peças para o teatro. A constatação foi o start para a elaboração de um projeto com vista a identificar e formar um acervo de dramaturgia, inicialmente em Belém do Pará. Com base nesse objetivo, depois ampliado, surgiu o Projeto de Pesquisa Memórias da dramaturgia amazônida: construção de acervo dramatúrgico, iniciado em 2009.

Doze anos depois, o projeto continua trabalhando intensamente na formação desse acervo, composto por dramaturgos antigos e atuais. Entre os antigos, estão Levi Hall de Moura, Carlos Hipólito Santa Helena Magno, João Marques de Carvalho, Antônio Tavernard, Felisberto Sussuarana, Edgar Proença, Bruno de Menezes e Marília Menezes – filha de Bruno e única mulher desta fase encontrada até o momento. Entre os atuais, estão produções de Raimundo Alberto, João de Jesus Paes Loureiro, Márcio Souza, Nazareno Tourinho e Ramon Stergmann.

Autores com publicações próprias e participantes de seminários de dramaturgia, temos Nereide Santiago, Saulo Sisnando, Paulo Farias, Edyr Proença e Carlos Corrêa, e os jovens dramaturgos Alana Lima, Lucas Serejo, Ana Marceliano, Bárbara Gibson, Breno Monteiro, Lauro Souza, Fábio Limah, Patrícia Grigoletto, Haroldo França, Ingrid Gomes, Iracy Vaz, Kauan Amora, Kevin Braga, Mailson Soares, Paloma Amorim, entre outros, a maioria egressa da ETDUFPA.

O projeto, coordenado pela pós-doutora em Estudo de Teatro Bene Martins, está também vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Artes (PPGArtes/ICA) da UFPA. Além de realizar a pesquisa por peças, a equipe do projeto faz o tratamento – digitação, revisão, análise e publicação dos textos. Segundo a professora, “o acervo dramatúrgico não se restringe ao arquivo apenas, mas também é tratado como fonte de informações valiosas sobre a época, os costumes e os traços identitários dos povos que habitaram a Amazônia”. Assim, peças e contextualização do cenário socioeconômico e cultural no qual os textos foram produzidos estão disponíveis para consulta em banco informatizado.

Acervo também conta com livros impressos e digitais 

O projeto atua na publicação de livros impressos e digitais. Bene Martins e Marcio Souza, escritor e dramaturgo amazonense, criaram a Coleção teatro do norte brasileiro visando publicar coletâneas de dramaturgos da Amazônia, desde os pioneiros, como Bento Tenreiro Aranha, o iniciador do teatro na região, segundo Vicente Salles, até os escritores surgidos na atualidade.

O livro Peças Teatrais de Nazareno Tourinho, com 14 textos escritos entre 1961 e 2013, editado pela Cejup, iniciou as publicações, em 2014. Integra a coleção o conjunto de peças do dramaturgo paraense Ramon Stergmann, publicado em três volumes, todos em e-book, editados pelo PPGArtes. Em 2020, vieram a público os volumes I e II, com 37 peças escritas entre 1974 e 2006. O volume III é aguardado para este segundo semestre de 2021.

Também foram publicados pela mesma coleção: volume I da Coletânea teatro do Pará, pela Editora Reggo Edições, de Manaus; volume I da Coletânea teatro do Maranhão, em e-book; volumes I e II da Coletânea Jovens dramaturgos amazônidas, também em e-book, pela editora PPGArtes. Todas estas coletâneas aguardam a publicação de outros volumes.

A linha de publicação do Projeto Memórias da dramaturgia amazônida vai além. Constam dela artigos sobre peças do acervo, dissertações e teses, assim como o resultado de nove seminários de dramaturgia amazônida, que, desde o sétimo, se tornou internacional. “Os seminários – explica Bene Martins – homenageiam anualmente um dramaturgo da região, que profere palestra. Outros convidados do Pará e de outros estados também falam sobre dramaturgia. A finalidade é estabelecer um diálogo entre veteranos e jovens trabalhadores do teatro”. Todo o trabalho do projeto está vinculado a uma das linhas de pesquisa do PPGArtes.

O teatro como expressão das camadas mais vulneráveis 

Um teatro como expressão das camadas em situação de vulnerabilidade nas periferias da cidade, na beira dos rios e no interior da selva. Esta é uma das principais características do teatro de Ramon Stergmann, o dramaturgo paraense cujos textos teatrais compõem três volumes da coleção Teatro do norte brasileiro, sob o título Peças teatrais de Ramon Stergmann. Nascido em 1943, em Belém, Ramon foi um incansável dramaturgo que deixou uma vasta obra teatral, lembrada pelo público que assistiu às montagens dos grupos Maromba e Palha, mas inteiramente ignorada pelas gerações posteriores.

A produção dramatúrgica de Ramon Stergmann se estendeu por 27 anos. Somente os dois primeiros volumes já publicados da sua coletânea somam 37 peças, algumas encenadas e premiadas no Pará e em outros estados. Os pesquisadores das Ciências Humanas e de áreas afins que adentrarem no universo teatral stergmanniano terão ao seu dispor uma enorme e valiosa fonte de informação sobre o homem e as culturas amazônicas.

“Ramon Stergmann acreditava na cultura como possibilidade de expressão das camadas mais carentes da população. Via no teatro essa válvula preciosa por meio da qual poderia fazer escapar seus anseios e trazer à luz suas necessidades, fazendo uso de um discurso direto e sem retoques”, diz o jornalista, escritor e músico Walter Freitas, no posfácio do volume I. Para o dramaturgo, “o teatro era o espaço ideal onde emoldurava uma realidade de que não se orgulhava, mas para a qual, antes, reivindicava e buscava soluções dignas. Veja-se a galeria de tipos que criou, aos quais deu vida com sua capacidade própria de interpretar, ou cujos caracteres emprestou a tantos atores e atrizes. Seus personagens desfiam um rosário de martírios que o autor sentiu na própria carne, o tornaram sensível, numa sequência inatacável de presenças transplantadas das ruas para a crueza ainda maior da cena”, afirma Freitas, que se lançou na vida teatral pelas mãos de Stergmann.

Paulo Santana, ator, diretor teatral, professor do Instituto Instituto de Ciências da Arte da UFPA, no posfácio do volume II, compara Ramon ao dramaturgo alemão Berthold Brecht pelo ato de denúncia e consciência de suas peças. “Sob o clima de repressão que vivia o Brasil, Stergmann colocou em cena a relação entre opressores e oprimidos, mostrando a exploração sofrida pelos personagens de suas peças, pobres, miseráveis, marginalizados, indivíduos vivendo em péssimas condições”, afirma Santana. São esses personagens que habitam o universo stergmanniano, um universo de denúncia e sofrimento, mas construído com poesia e humor, traços indissociáveis da sua obra.

Serviço – Você pode acessar o acervo do projeto no link “produção intelectual”, no site do PPGArtes http://ppgartes.propesp.ufpa.br/index.php/br/

Beira do Rio edição 160

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