Por que o Brasil não tem os novos remédios recomendados para a Covid?

Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.

Por Pedro Villardi e Felipe Carvalho

Tem faltado empenho do Congresso Nacional para derrubar veto presidencial e liberar a produção de genéricos e mais vacinas; o apartheid não pode continuar

O debate sobre o impacto das regras de propriedade intelectual nas políticas de acesso a medicamentos e vacinas não se inaugurou na pandemia. No entanto, o altíssimo número de mortes (muitas evitáveis) causadas pela Covid-19 e o injustificável apartheid vacinal colocam o tema na ordem do dia. Como é possível que países ricos tenham acesso aos novos tratamentos para Covid-19 e pacientes dos países do Sul Global continuem sofrendo? Como é possível que menos de 11% das doses de vacinas tenham sido aplicadas em países de renda baixa?

Nos últimos meses, a OMS publicou atualizações em seu protocolo de tratamentos recomendados para tratar a Covid-19. Dos últimos medicamentos recomendados (combinação casirivimabe e imdevimabe, molnupiravir, tocilozumabe e baricitinibe) nenhum está disponível no SUS. Além disso, a combinação nirmatrelvir e ritonavir (paxlovid), que já é recomendada pela FDA (agência regulatória dos Estados Unidos), mostrou excelentes resultados na diminuição das hospitalizações e mortes, mas sequer é discutida no Brasil. Não sem motivo.

Um levantamento da organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) revelou que os acordos voluntários das empresas detentoras das patentes do molnupiravir e paxlovid excluíram praticamente toda América Latina de ter acesso a versões genéricas desses medicamentos. O estudo traz ainda informações chocantes sobre o preço do baracitinib. Enquanto empresas na Índia e em Bangladesh podem produzir o tratamento de 14 dias por cerca de R$35 reais, a empresa Ely Lilly o vende a mais de R$ 5.000 nos Estados Unidos.

No entanto, mesmo se o Brasil quisesse (ou pudesse) pagar esse preço, não conseguiria ter acesso a esses medicamentos em 2022: as empresas já venderam todo seu estoque para os países de renda alta. Em outras palavras, simplesmente ignoraram populações inteiras para preservar seus privilégios de comercialização. O que podemos fazer, então, para ter acesso a essas versões genéricas?

Na quinta-feira, dia 17/03, o Congresso Nacional avaliará o Veto Presidencial n. 48, que se refere aos trechos da Lei 14.200/21 que não foram sancionados pelo presidente Jair Bolsonaro. Derrubando o veto, o Brasil terá uma das leis mais avançadas no tema e poderá importar e produzir medicamentos, vacinas e diagnósticos de forma mais rápida e barata. É urgente que novas tecnologias com comprovação científica estejam disponíveis no Brasil para que profissionais de saúde possam oferecer os melhores cuidados para nossa população.

Imaginemos que estamos em um dia de março de 2072. Quando olharmos para o dia de hoje, ouviremos sobre a altivez do Congresso Brasileiro ao proteger a população brasileira, dando ferramentas aos profissionais de saúde, ou carregaremos a vergonha de ter visto os representantes do povo protegerem os lucros de bilhões de dólares, maculados com óbitos e mais óbitos? Ou adiarão mais uma vez essa decisão tão importante? A sociedade civil, profissionais de saúde e especialistas internacionais já decidiram que estão do lado da vida e defendem a derrubada integral do veto 48.

Sobre os autores

Pedro Villardi é doutor em Ciências Humanas e Saúde pelo Instituto de Medicina Social da UERJ e pesquisador de saúde pública, medicamentos essenciais e patentes farmacêuticas. É coordenador Regional para América Latina da Campanha de Acesso a Medicamentos e Vacinas da PSI (Public Services International)

Felipe Carvalho é mestre em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e jornalista. É coordenador do GTPI (Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual). Também é coordenador Regional da Campanha de Acesso a Medicamentos a Medicamentos de Médicos Sem Fronteiras (MSF)

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