Oscar, piadas e os limites do humor

Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Bruno Ferreira. Para acessar, clique aqui.

O ator Will Smith protagonizou inúmeras notícias no início desta semana. A principal razão não foi ter ganhado o Oscar na categoria de melhor ator e sim o tapa que deu no humorista Chris Rock, em reação a uma piada com a aparência física de sua esposa, a também atriz Jada Pinkett Smith, que está com a cabeça raspada por causa de uma alopecia, doença que provoca queda de cabelo.

Enquanto apresentava a categoria de melhor documentário, Chris Rock brincou com casais presentes à cerimônia. Do palco, olhando para Jada, Rock disse: “G.I. Jane 2, mal posso esperar para ver, ok?”. A fala foi uma comparação da atriz a uma personagem vivida por Demi Moore, no filme Até o Limite da Honra, em que interpreta uma militar com a cabeça raspada. Ainda durante a fala de Rock, Smith levantou-se da plateia, caminhou em direção ao palco e deu um tapa no apresentador. Mais tarde, Smith foi ovacionado pelos pares ao receber o Oscar de melhor ator pela atuação em King Richard: Criando Campeãs.

Esse caso levanta a reflexão sobre a consequência que repercute mais do que a causa. O tapa repercutiu mais do que aquilo que o motivou, fazendo com que muitos considerassem a reação de Smith desproporcional. Não fosse o tapa, o comentário inconveniente de Chris Rock teria sido pauta na imprensa ou repercutido tanto nas redes sociais? 

A abordagem de muitas notícias e posts em redes sociais acerca desse episódio deixam o desconforto de Jada durante a fala de Rock e a infelicidade da piada em segundo plano. Esse episódio, porém, mais do que o tapa em si, é uma boa oportunidade para propor a reflexão, em diferentes contextos, sobre a necessidade de preservar a dignidade humana no exercício da liberdade de expressão, em especial no humor, em que a graça não deveria resultar da vergonha alheia.

Uma característica que historicamente destaca o stand-up comedy, gênero que consagrou Chris Rock, é o bullying, com bombardeio à aparência física de pessoas da plateia, desqualificando-as publicamente ao depreciar seus corpos fora de padrões estéticos pré-determinados. Certamente, apresentações dessa natureza já foram bem mais desrespeitosas e hoje em dia há um saudável debate sobre os necessários limites para fazer o público rir. 

A piada de Chris Rock foi considerada leve por muitos que seguem seu trabalho. Aos ouvidos do público, o comentário sutil sobre a aparência de Jada pode não ter sido propriamente ofensivo, uma vez que o humorista não a desqualificou por estar com a cabeça raspada. No entanto, ao evidenciar a sua aparência, tocou numa ferida sensível para a atriz. Se faltou civilidade a Will Smith na reação ao comentário infeliz, faltou a Chris Rock uma avaliação cuidadosa do propósito de sua piada e do que ela poderia despertar em seus interlocutores.

Qualquer manifestação cuja intenção é conquistar a adesão do público – seja uma opinião, alicerçada em dados ou em dogmas; ou uma piada, em que se empregam elementos discursivos para provocar o riso – precisa orientar-se pelo respeito à dignidade humana, princípio que permeia a perspectiva brasileira de liberdade de expressão e está presente em nossa legislação. 

Ainda que o humor tenha como objetivo provocar o riso e despertar a graça, sabemos que nem todas as suas mensagens provocarão as mesmas reações no público. Mas, ao refletir sobre os limites dessa prática, o humor torna-se mais inclusivo e sofisticado. Piada feita respeitando-se os limites da liberdade de expressão até poderá ser sem graça, não por ser ofensiva, mas apenas por ser mal construída.

Bruno Ferreira é assessor pedagógico do Instituto Palavra Aberta.

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