Negligências do MPE e das plataformas colocaram Judiciário na dianteira do combate à desinformação

Publicado originalmente em *Desinformante. Para acessar, clique aqui.

A Resolução 23.714 do Tribunal Superior Eleitoral, aprovada por unanimidade pelo TSE em sessão de 20 de outubro, mostrou-se um instrumento necessário de combate à desinformação, apesar dos questionamentos sobre as ações da Justiça Eleitoral nestas eleições. A afirmação é de Samara Castro, advogada e presidente da Comissão de Liberdade de Expressão no Mundo Digital da OAB-RJ: “a Resolução teve uma importância ímpar, ela foi extremamente necessária para os últimos dias das eleições. Sem ela, a gente muito provavelmente teria um ambiente muito mais poluído”. 

O que pouco se fala é sobre os atores que foram negligentes no período da campanha eleitoral e que empurraram, de certa forma, para um protagonismo da Justiça Eleitoral neste cenário. Castro aponta, por exemplo, que o Ministério Público Eleitoral mostrou-se negligente. Pesquisa realizada pelo Observatório da Desinformação Online das Eleições de 2022, da FGV-SP, identificou apenas seis ações movidas pelo órgão dentre as 427 analisadas na pesquisa. Já reportagem do jornal Folha de S. Paulo mostrou que a PGE (Procuradoria-Geral Eleitoral) passou 70 dias da campanha sem apresentar questionamentos ao TSE sobre o uso de desinformação contra o processo eleitoral. 

Os termos de colaboração firmados entre as plataformas digitais e o Tribunal Superior Eleitoral também se mostraram insuficientes no combate à desinformação. “Esses termos, até pelo seu caráter não-vinculativo, não normativo, tiveram muito menos força do que eles deveriam ter para termos eleições onde as plataformas fossem mais responsáveis por aquilo que estava circulando no ambiente digital”. 

A falta de empenho efetivo das plataformas digitais no combate à desinformação reforçou a pertinência da atuação do TSE, ainda segundo Castro: “a Resolução 23.714 vem justamente nesse bojo onde você tem uma atitude pouco colaborativa das plataformas, então você tem uma atuação muito pouco responsiva”. A possibilidade do tribunal agir “de ofício”, isto é, agir sem ser provocado, agir por conta própria, foi uma das principais críticas levantadas contra a Resolução. Dentro desse contexto, a presidente da Comissão de Liberdade de Expressão no Mundo Digital da OAB-RJ enxerga a atuação do tribunal “quase como uma autodefesa”. 

A ideia de autodefesa também foi exposta pelo ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Ayres Britto, quando saiu em defesa de Alexandre de Moraes e do TSE em evento ocorrido em Nova York do último dia 14. “Se se usa de uma Liberdade para cortar os pulsos da Democracia, a Democracia vai morrer por assassinato, e a própria Liberdade vai morrer por suicídio”, ponderou Ayres Britto, dizendo ainda “que não é censura fazer isso, isso é autodefesa da democracia”. 

O aspecto negativo da Resolução 23.714, na visão de Samara Castro, é o de ela ser uma resolução em si, “porque, em tese, isso já deveria estar na lei, deveria estar em outra normativa que não necessariamente fosse necessária uma resolução no meio das eleições”.

Por fim, a especialista adverte que a atuação do TSE, apesar de positiva, “não significa que ele está livre de críticas ou que ele acertou em todas, mas ao menos vimos um Tribunal que estava empenhado em acertar”. Samara Castro recomenda ainda a manutenção da assessoria especial de desinformação do TSE, como sugere que “todos os Tribunais deveriam ter a suas assessorias especiais de combate à desinformação”. 

A ausência de normas estabelecidas pelo Legislativo antes do pleito também foi apontada como sendo o grande problema pelo advogado André Boselli, consultor da organização Artigo 19, que trabalha pela defesa da liberdade de expressão. “O poder, em tese, legítimo para tratar do assunto, que seria o Parlamento, acabou silenciando a respeito. E aí a gente tem uma lacuna muito grave quando a gente está falando de desinformação”.

Para Boselli, a Resolução 23.714 surge nesse contexto, já que “diante dessa ausência normativa, o TSE foi agindo de maneira talvez um pouco casuística: os problemas iam aparecendo e ele, TSE, ia tentando responder a esses problemas da maneira que ele achava a mais correta”. 

O consultor jurídico ressalta que a resolução em si tem seu aspecto problemático ao atribuir grande poder decisório ao TSE. “Ela pode ensejar, em tese, potencialmente, abusos pelos atores que vão manejar essa resolução, mas não nos parece que esses abusos tenham ocorrido. O que não quer dizer que eles não possam ocorrer futuramente”.

 “No momento que a poeira estiver baixando, vai chegar o tempo de discutir o que fazer com essa Resolução. Ela é objeto de uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade), que liminarmente foi rejeitada, mas que ainda vai ser julgada. O STF vai se pronunciar a respeito”, ressalta André Boselli, ponderando a necessidade do debate sobre ser a via judicial o melhor caminho a percorrer no combate à desinformação.

“O próprio TSE, nos próximos meses, nos próximos anos, precisa se reunir com a sociedade civil organizada, se reunir com outros atores para tentar compreender esse fenômeno da desinformação e saber como lidar com ele, que não por meio de uma resolução como esta que tem, sim, seus problemas”, conclui Boselli, apesar de ressaltar sua importância durante os dias anteriores ao segundo turno devido à escalada da circulação de desinformação identificada pelos monitoramentos realizados pela sociedade civil. 

PGR contestou constitucionalidade da Resolução

O Procurador-geral da República, Augusto Aras, ajuizou no dia 21 de outubro uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal contra a Resolução 23.714  do Tribunal Superior Eleitoral, com pedido liminar de suspensão. Na ADI, o procurador argumenta que “embora compreensível a iniciativa para o enfrentamento da desinformação que atinge a integridade do processo eleitoral, não há como se admitir que esse combate resulte em atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, tampouco censura prévia de opiniões ou da liberdade de informação, asseguradas de forma ampla pelo texto constitucional”.

O ministro do STF Edson Fachin negou o pedido de liminar no dia 22 de outubro, mantendo todos os efeitos da Resolução, afirmando que “o Tribunal Superior Eleitoral não exorbitou o âmbito da sua competência normativa, conformando a atuação do seu legítimo poder de polícia incidente sobre a propaganda eleitoral”. 

A decisão foi referendada pelo colegiado do Tribunal por nove votos a dois em sessão realizada no dia 25. O julgamento de mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade, entretanto, ainda não tem data de julgamento. A Resolução, portanto, segue válida.

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