Morte de adolescente reacende debate sobre exposição digital

Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Mariana Mandelli. Para acessar, clique aqui.

A notícia de que o filho adolescente da cantora Walkyria Santos, ex-Magníficos, tirou a própria vida após comentários homofóbicos em uma rede social chocou fãs, famílias e internautas nos últimos dias. Por meio de seu Instagram, a artista, bastante emocionada, afirmou que o jovem recebeu uma enxurrada de mensagens agressivas após publicar um vídeo em que insinuava um beijo em um amigo. Lucas tinha 16 anos.

“Hoje, dia 3 de agosto de 2021, eu perdi meu filho, uma dor que só quem sente vai entender. E isso é sobre o último post que eu havia feito, os comentários. Ele postou um vídeo no TikTok, uma brincadeira de adolescente com os amigos, e achou que as pessoas fossem achar engraçado, mas não acharam, como sempre as pessoas destilando ódio na internet. Como sempre as pessoas deixando comentários maldosos”, explicou Walkyria. 

A combinação entre discurso de ódio e cyberbullying é perigosíssima e pode ser fatal, como mostra esse trágico caso. Entre adolescentes, a situação é ainda mais delicada por conta da fase de desenvolvimento em que se encontram, onde questões de autoestima, autoimagem e identidade ainda estão em construção, o que eleva a vulnerabilidade a práticas de perseguição e humilhação. 

Se nas décadas anteriores o preconceito e bullying vinham de conhecidos, especialmente no ambiente escolar, hoje os jovens estão submetidos a uma infinidade de possibilidades no ciberespaço, onde o anonimato serve de escudo para a maldade e a intimidação ganha outra escala devido ao alcance e à velocidade das mensagens.

Apesar da maior parte das plataformas exigir idade mínima de 13 anos para a criação de um perfil, não há um controle rígido, o que faz com que o acesso de crianças e adolescentes às redes sociais seja livre (e muitas vezes até incentivado pelos responsáveis). E é justamente por isso que o papel das famílias e das escolas é crucial para proteger e conscientizá-los dos riscos da superexposição.

Desmistificar a ideia de nativo digital é o primeiro passo. A premissa de que as novas gerações “nascem sabendo” lidar com a tecnologia é totalmente enganosa e mascara a fragilidade delas perante aos inúmeros riscos e perigos que as mídias sociais escondem. Entre os pesquisadores da área de educação e mídias, há uma espécie de ditado que diz: se você não deixa uma criança sozinha para atravessar uma avenida movimentada, por que a deixaria sozinha na internet?

A consciência de que os jovens precisam de apoio para desenvolverem uma relação saudável com as redes precisa vir acompanhada de controle parental. Controlar o uso não significa proibi-lo, mesmo porque o universo digital é parte fundante da cultura e sociabilidades juvenis contemporâneas. 

Além de definir tempo de uso diário e configurar aplicativos e filtros, limitando  o acesso a certos sites, esse controle familiar precisa vir acompanhado de diálogo. Isso porque entre conteúdos deliberadamente nocivos e os construtivos, há uma gama imensa de riscos subjugados, como os próprios comentários de estranhos — diversas plataformas inclusive já permitem que o usuário não receba mensagens de desconhecidos.

Cabe às famílias, portanto, observar e estimular conversas sobre a exposição, a saúde e a vivência digital dos filhos, mediando suas relações virtuais e orientando sobre a participação em fóruns e jogos online, fazendo com que a máxima “não aceite doces de estranhos” estenda-se também a esse universo.

A escola também pode levar o tema para a sala de aula por meio de atividades que discutam o uso responsável das redes, utilizando para isso as próprias mídias sociais e os formatos de conteúdo que tanto agradam aos jovens. 

Algumas questões podem ser colocadas em discussão, como por exemplo: ao usar a imagem de um colega para fazer um meme, o que estou provocando? Quando gravo um vídeo dançando e posto no TikTok, que riscos estou correndo? Ao fazer um comentário negativo sobre a aparência de alguém no Instagram, estou pensando sobre como essa pessoa irá recebê-lo? Tudo isso pode ser debatido por meio da reflexão sobre discursos de ódio, como racismo e homofobia, e direitos humanos.

Tais questionamentos envolvem competências de comunicação, pensamento crítico e cultura digital, presentes na Base Nacional Curricular Comum (BNCC), o que as tornam temas obrigatórios no ensino fundamental e médio. As cartilhas e materiais da SaferNet Brasil e do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR também podem auxiliar nesse processo, lembrando que a própria SaferNet disponibiliza um serviço de acolhimento para crianças e famílias vítimas de violência online.

O esforço de responsáveis e educadores deve ser conjunto. É claro que isso não  anula, em hipótese alguma, uma postura enérgica, efetiva e transparente das empresas de tecnologia perante à agressividade e à toxicidade das redes. Mas o impacto do uso das ferramentas digitais na saúde mental dos adolescentes é um tema urgente para famílias e escolas, que devem se envolver nesse debate tanto para educar os jovens como para protegê-los. 

*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

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