Médico afirma que hidroxicloroquina poderia ter salvado até 100 mil americanos

Publicado originalmente em Nujoc Checagem por Márcio Granez. Para acessar, clique aqui.

Infectologista Steven Smith conduziu estudo que mostraria eficácia de 100% de recuperados entre pacientes intubados com uso do medicamento. Estudo é observacional e não foi revisado pelos pares

No dia 2 de junho a rede de televisão americana Fox News levou ao ar entrevista com o médico infectologista Stephen Smith, de Nova Jersey (EUA), que apresentou resultados de estudo que comprovaria a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento de doentes intubados em função da Covid-19. A informação está circulando nas redes brasileiras, sobretudo nas dos defensores do medicamento, e foi enviada para checagem pelo aplicativo Eu Fiscalizo, da Fundação Oswaldo Cruz.

O médico é o fundador do Centro Smith para Doenças Infecciosas e Saúde Pública, e desde o início da pandemia vem conduzindo estudos com o medicamento para o tratamento da Covid. A emissora Fox News é um canal de televisão com orientação conservadora, tendo apoiado o ex-presidente Donald Trump em sua cruzada pelo uso do medicamento no ano passado. A entrevista pode ser vista neste link aqui.

Com os alegados resultados do estudo conduzido pelo Dr. Smith, a rede de TV adotou na matéria o tom de “nós avisamos”, marcado pela condução das perguntas da apresentadora Laura Ingraham. O médico afirma ter conduzido estudo com 255 pacientes intubados em estado grave, e que 100% dos que usaram combinação de altas doses de hidroxicloroquina e azitromicina sobreviveram.

O estudo conduzido pelo médico e mais três especialistas ainda não foi submetido à avalição dos pares, e encontra-se em formato de pré-print, neste link aqui. O site Trendsbr publicou matéria sobre o assunto, classificando a pesquisa como “observacional, não revisada por cientistas e com amostra considerada pequena”. Isso significa que o trabalho não pode ser utilizado como prova da eficácia da hidroxicloroquina. Vários estudos com amostras bem maiores já descartaram o medicamento, e é neles que se baseiam as entidades médicas reconhecidas para desaconselhar o uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19.

Laura Ingraham e Dr. Smith na matéria da Fox News: em defesa da hidroxicloroquina. Imagem: Captura de tela/WhatsApp

Como são dados não generalizáveis, as afirmações derivadas deles não podem ser tomadas como verdadeiras. É o caso da ilação feita pela apresentadora, que insiste para o médico para que este dê um número aproximado das vítimas que poderiam ter sido salvas pela hidroxicloroquina: “Perdemos 550 americanos. Quantos poderiam ter sido salvos? 10 mil?”, indaga. “Não, muito mais que isso”, responde o médico. “100 mil?”, ela insiste. “Sim, odeio dizer isso, mas sim. Os dados… eu tento apenas olhar os dados. E o estudo não foi apenas sobre a hidroxicloroquina, mas sobre qualquer outro método”, tenta relativizar o médico.

O número extraído pela jornalista dos que supostamente seriam salvos se a hidroxicloroquina tivesse sido administrada em seu tratamento não tem qualquer fundamento. Mesmo o médico se mostra titubeante em chegar à cifra na entrevista, dizendo que outros fatores foram considerados no estudo e que portanto deveriam ser levados em conta. O fato é que, até onde a medicina investigou seriamente o uso da hidroxicloroquina e de outros medicamentos contra a Covid-19, não há por enquanto um remédio para a doença. A Associação Médica Brasileira não recomenda seu uso, como você pode conferir aqui: “Reafirmamos que, infelizmente, medicações como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da COVID-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida”.

Em vez de ajudar, o uso de hidroxicloroquina tem, sim, a potencialidade de piorar quadros de infecção pelo novo coronavírus, como mostra esta matéria aqui. É por essa razão que atualmente a CPI da Covid, em andamento no Senado, está buscando estabelecer a responsabilização dos que indicaram o medicamento para tratar a infecção pelo novo coronavírus. Ao contrário do que sugere a matéria da Fox News, o número que se cogita atualmente, pelo menos no caso do Brasil, considerando o uso da hidroxicloroquina, é o dos que poderiam ter sido salvos se não tivessem utilizado o medicamento, e dos que ficarão com alguma sequela por terem-no usado.

A notícia da pesquisa do dr. Smith repercutiu no Brasil, sobretudo quando foi compartilhada pelo cantor de axé Netinho, simpatizante do governo Bolsonaro. Mas a pesquisa do médico americano não prova nada sobre a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento da Covid. O NUJOC já fez muitas outras checagens sobre a hidroxicloroquina e outros medicamentos sem eficácia contra a Covid-19. Confira aqui.

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