Insegurança alimentar no Brasil: retrato da desigualdade de gênero

Publicado originalmente em Agência Bori. Para acessar, clique aqui.

No primeiro trimestre de 2021, duas pesquisas sobre segurança alimentar e nutricional impactaram o Brasil. A primeira, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), mostrou que 55,2% da população brasileira vivenciava, em dezembro de 2020, insegurança alimentar, e 9% estava passando fome. Índices ainda mais altos foram apresentados pela segunda pesquisa, do Grupo de Pesquisa “Alimentos para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia”, que mostrou que 59,4% da população brasileira estava em situação de insegurança alimentar no mesmo período, sendo que 15% passava fome.

Esses dados nos impactaram por sua gravidade, mas também por expressarem os retrocessos nas condições socioeconômicas e alimentares da população brasileira. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2004, 2009 e 2013 vinham mostrando importante redução do percentual de domicílios em situação de insegurança alimentar e nutricional em todo o país. Na PNAD de 2013, o Brasil apresentou seu menor índice de insegurança alimentar grave (3,2%) e, em 2014, o país saiu do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). No entanto, dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2017 já sinalizavam retrocessos, com o incremento da insegurança alimentar e nutricional no país. Ainda que a pandemia da Covid-19 tenha contribuído para o aumento dos números apresentados acima, as crises econômica e política que afetam o país nos últimos anos, associadas ao desmantelamento das políticas públicas em diversos setores, colaboram para a tragédia da insegurança alimentar atual.

A magnitude dos dados das pesquisas se revela ainda mais grave quando observamos como diferentes grupos sociais são impactados pela insegurança alimentar e nutricional. Historicamente, as pesquisas de insegurança alimentar mostram que esta situação é mais acentuada nos domicílios chefiados por mulheres, de raça/cor da pele autodeclarada preta ou parda, e com baixa escolaridade. Na pesquisa realizada pela Rede PENSSAN, enquanto a insegurança alimentar estava presente em 47% dos domicílios cuja pessoa de referência era masculina, este percentual alcançou 64% naqueles chefiados por mulheres. Esses percentuais foram, respectivamente, 60% e 73,8% na pesquisa do Grupo de Alimentos para Justiça.

A vulnerabilidade à insegurança alimentar desses domicílios é o ápice das desigualdades de gênero presentes na sociedade brasileira, que se manifestam nos altos índices de desemprego; nas diferenças salariais; na responsabilização do cuidado com os filhos, familiares e portadores de necessidades especiais; nas diversas formas de violência contra mulheres; nas dificuldades de participação na vida pública e nos espaços políticos. E não são poucas as pesquisas que evidenciam os impactos da pandemia da Covid-19 na vida das mulheres, seja em termos de agravamento do desemprego e sobrecarga de trabalho doméstico e de cuidados com filhos e familiares, seja em termos de intensificação da violência física e psicológica.

Como o Estado brasileiro vem reagindo a este cenário de agravamento da insegurança alimentar e das suas repercussões na vida das mulheres e suas famílias? Por enquanto, infelizmente, prevalecem no contexto político e institucional negacionismos à pandemia, inação e desmantelamento das políticas de segurança alimentar e nutricional.

Sobre as autoras

Catia Grisa, pesquisadora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e membro da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas (RBMC)

Silvia Zimmermann, pesquisadora na Universidade Federal da Integração Latino Americana, e membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN)

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