Fenômeno crescente no mundo da publicação acadêmica, revistas predatórias comercializam espaços de divulgação e colocam em risco a ciência brasileira

Publicado originalmente em Jornal da Universidade por Tarcízio Macedo. Para acessar, clique aqui.

Comunicação científica | Número de publicações que divulgam artigos em curtíssimo tempo, sem submetê-los a uma avaliação por pares de qualidade, cresce no Brasil e impacta no processo de produção e circulação da ciência nacional

*Foto: Flávio Dutra/JU

Já há algum tempo se tornou comum receber e-mails convidando pesquisadores a publicarem artigos científicos em determinados periódicos acadêmicos. A mensagem é assinada pelo editor de uma revista, geralmente identificada por um nome genérico em inglês, que mostra interesse em um trabalho previamente disponibilizado em diferentes formatos de publicação – anais de eventos, periódicos, coletâneas ou livros. O convite, que à primeira vista parece promissor, na realidade é uma prática frequente usada por revistas predatórias para contatar potenciais autores e oferecer seus serviços. Esse é o nome pelo qual ficaram conhecidas as revistas acadêmicas que encorajam a publicação de pesquisadores, ao explorar e facilitar os procedimentos que envolvem o modelo editorial de publicação científica.

Atualmente, o conhecimento científico é divulgado sob o formato de artigos veiculados em revistas especializadas. Cada periódico dispõe de liberdade para estabelecer os procedimentos editoriais que considere mais adequados. Em geral, um artigo submetido a uma revista científica costuma obedecer a um fluxograma dividido em duas partes. Na primeira, o trabalho é objeto de uma análise prévia por parte do comitê editorial. Nessa etapa são selecionados os manuscritos possivelmente aptos à publicação, com base em critérios como a pertinência da submissão, a adequação ao escopo e aos objetivos da revista, o cumprimento integral das normas e diretrizes e a apresentação de estrutura e conteúdos próprios dos formatos de publicação aceitos.

Os trabalhos aprovados são encaminhados, então, para uma segunda etapa: a avaliação por pares. Considerado um critério tradicional de filtragem dentro do campo acadêmico, esse é o momento em que outros pesquisadores da comunidade analisam e criticam o problema, as hipóteses (quando existem), os métodos, a interpretação dos resultados, as conclusões e a qualidade geral de um estudo, por exemplo.

Em troca de uma rápida divulgação de artigos, alguns desses mecanismos, como a análise preliminar e a avaliação por pares, parâmetros que garantem a confiabilidade e segurança científica, são negligenciados. A publicação nessas revistas é condicionada apenas ao pagamento de uma taxa pelos autores. O conjunto de práticas predatórias não se limita, porém, aos periódicos, é o que adverte o presidente da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC Brasil) e professor titular da Faculdade de Odontologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Sigmar Rode.

Hoje nós temos os periódicos predatórios, as editoras predatórias, os eventos predatórios, bases de dados predatórias e os indexadores predatórios. O fator de impacto de uma revista é uma marca que somente a Clarivate pode usar, do Web of Science. Mas tem um site que, se você pagar, consegue colocar sua revista e ele lhe dá o que chama como ‘fator de impacto’, obviamente falso. Este é um outro problema que está crescendo na história das revistas predatórias.

Sigmar Rode

A proliferação global dessas práticas coloca em xeque a integridade, a credibilidade e a ética na produção e circulação da ciência, além de acender um debate sobre a exploração financeira do modelo editorial acadêmico e as fragilidades do sistema de avaliação de publicações e da produção científica brasileira.

Revistas predatórias, mercadores da ciência

Uma revista é classificada como predatória quando suas diretrizes e normas editoriais são pouco criteriosas na seleção das pesquisas que serão veiculadas. “É aquela que simplifica e minimiza o processo de revisão por pares em troca de algum tipo de benefício financeiro”, pontua o professor da Escola de Administração da UFRGS Marcelo Perlin.

Em outras palavras, é o famoso pay-to-publish [pagar para publicar]. Você manda o artigo e em duas semanas ele está publicado. Em troca, você paga um valor financeiro […]. Esse é um conceito bem clássico de revistas predatórias.

Marcelo Perlin

“É qualquer convite que se faça à publicação em que se pressupõe a cobrança. Além dessa cobrança, não existe uma avaliação por pares. Essa é a grande diferença de uma revista predatória em relação a uma revista científica que cobra uma taxa de publicação”, reforça a professora da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS e editora da revista Em Questão, Samile Vanz.

Trata-se de um meio de veiculação que explora financeiramente a demanda acadêmica por publicações e as limitações do modelo editorial científico. O objetivo principal não é a divulgação e a qualidade da ciência, mas a obtenção de lucro a um baixo custo. “Há, porém, uma sofisticação das estratégias de legitimação das revistas predatórias ao longo dos anos”, destaca Rode. “No início, se observava que elas não tinham um processo de avaliação por pares. Hoje já têm. Eu recebo constantemente, no meu e-mail, convites para avaliar artigos de revistas predatórias, só que eles não consideram a avaliação. Eles mandam para avaliar somente para dizer que houve um processo de revisão por pares que, na verdade, não consideram”, comenta o presidente da ABEC Brasil.

Com essas ações, as publicações procuram driblar alguns dos critérios usados para orientar as pessoas a evitar esses veículos de divulgação – como verificar se o periódico está em uma base de dados confiável. Sigmar Rode elenca algumas das estratégias desenvolvidas pelas revistas, tais como a criação de bases de dados e editoras predatórias (para não manter as publicações isoladas) e o uso de endereços de países como Estados Unidos para dificultar a identificação.

Vanz completa dizendo que algumas revistas predatórias também utilizam o Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER), um software traduzido pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) para o desenvolvimento e gestão de uma publicação periódica digital. Além disso, essas revistas afirmam ter um conselho editorial, muitas das vezes sem que os nomes tenham consentido com isso ou sejam de pessoas reais. Os trabalhos possuem também um identificador digital, chamado de DOI (Digital Object Identifier).

É muito difícil nós descobrirmos o que é predatório, às vezes nos enganamos. Mesmo pessoas experientes que entendem e conhecem sobre esse assunto acabam se confundindo, porque as revistas vão se munindo de todos esses requisitos, de uma falsa oficialidade.

Samile Vanz

Os danos dos artigos publicados nessas revistas, por imitarem a linguagem e a estrutura dos meios de divulgação científica, são grandes. Esses trabalhos podem oferecer esperanças de tratamento, incentivar a automedicação e colocar em risco a saúde das pessoas. Além disso, “um jornalista que desconhece a prática pode se confundir, pegar uma publicação dessas e pautar uma matéria como se ela fosse uma publicação científica”, reforça Vanz. “Se você está divulgando pesquisa sem validação num periódico dito científico e se ela cai na mão de uma pessoa despreparada, isso leva a essas fake news que estamos cansados de ver. Nós já temos um governo negacionista que nega a ciência, então tudo isso é um prato cheio para falar contra a ciência”, complementa Rode.

Para Perlin e Rode, as revistas predatórias ganharam espaço com a expansão da ciência aberta, movimento baseado no princípio de que o acesso ao conhecimento é um bem público e um direito humano. A ciência aberta surge como uma alternativa ao sistema de publicação científica em acesso fechado, como um modelo para repensar a circulação pública do conhecimento. Essas editoras se aproveitaram desse movimento para criar novos periódicos guiados por um modelo de negócio que se apropriou de um dos preceitos básicos da ciência aberta: a ideia de que os autores podem pagar um valor único para custear a publicação e mantê-la disponível, sugere o professor da Escola de Administração da UFRGS.

O fenômeno foi descrito pela primeira vez em 2008 por Jeffrey Beall, um bibliotecário americano e pesquisador da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, que cunhou o termo “revistas predatórias de acesso aberto” para se referir àquelas publicações que estão prontas para publicar qualquer artigo mediante pagamento. O bibliotecário ganhou fama ao criar um blog com uma lista de prováveis ​​periódicos acadêmicos predatórios de acesso aberto de 2010 a janeiro de 2017. Em um texto assinado no volume 489 da revista Nature, uma das mais importantes do mundo, Beall chama a atenção que essa prática estaria corrompendo o acesso aberto. O bibliotecário, porém, tem um posicionamento contrário à difusão desse modelo voltado ao acesso ao conhecimento.

A prática tem se difundido em grande escala no Brasil nos últimos anos, a ponto de gerar manifestações de várias associações nacionais. Em 2019, a Revista Baiana de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA) publicou o editorial “Publicar ou perecer: ameaça das revistas predatórias à integridade científica” em seu volume 33. Em maio de 2020, o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), entidade científica das áreas da Educação Física e das Ciências do Esporte com sede nacional na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança da UFRGS, emitiu uma nota de repúdio ao que classificou como um assédio praticado por editoras e periódicos predatórios aos associados e congressistas da instituição.

Em junho de 2021, foi a vez da diretoria da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Letras e Linguística, a ANPOLL, e a coordenação do Fórum de Editores da entidade emitirem uma nota criticando essa mesma estratégia. Em razão dos disparos automáticos das revistas e editoras predatórias, as entidades manifestaram ao público que não compartilham o banco de dados pessoais dos seus membros e congressistas com nenhuma instituição privada ou pública.

Um processo de publicação envolve várias etapas desde a análise preliminar pelo corpo editorial, avaliação por pares, revisão do editor, resposta aos autores, possíveis modificações no manuscrito, devolutiva à revista, editoração, indexação e, por fim, publicação. Cada uma dessas etapas consome um tempo considerável de, no mínimo, alguns meses. O volume de trabalhos de revistas predatórias, que ultrapassam os dois dígitos, revela um fluxo de procedimentos incompatível com a lógica editorial científica.

Por exemplo, a Brazilian Journal of Development, revista citada na nota da CBCE, não cobra uma taxa de submissão, mas cada autor que quiser publicar um artigo no espaço precisa pagar um valor de 490 reais. Embora não seja listada na última avaliação disponível do sistema Qualis-Periódicos (quadriênio 2013-2016), a revista entrou na lista preliminar que propõe a unificação do Qualis-Periódico, que circula informalmente pela internet. A nota alcançada (B2) é informada na página do periódico, mas a tentativa de indexação na Scopus, a base de dados da maior editora de literatura científica do mundo, a Elsevier, foi rejeitada em setembro deste ano.

Revistas predatórias expõem as fragilidades do sistema Qualis e um perigo potencial à ciência no Brasil

O Qualis é um sistema de avaliação da Capes criado para atender às necessidades do sistema de avaliação da instituição. Ele ranqueia a produção intelectual dos programas de pós-graduação brasileiros stricto sensu (mestrado e doutorado) de todas as áreas do conhecimento em formatos que variam entre livros e revistas.

Dentro desse sistema existe o Qualis-Periódicos, responsável por listar e classificar a qualidade dos veículos de divulgação com base em estratos indicativos que vão do A1 (mais elevado) até o C (sem pontuação). A produção de cada pesquisador que publica em determinada revista gera pontos com base na classificação da revista, aferindo indiretamente sobre a qualidade da produção.

O sistema vigente reflete os veículos nos quais os pesquisadores têm publicado os resultados de seus trabalhos. O processo é repetido anualmente com base nas informações oferecidas pelos programas a cada ano, que cadastram as novas revistas com produção de docentes ou discentes. Esse trabalho é feito por comitês de especialistas de 49 áreas. Uma vez finalizado o período de avaliação quadrienal, o Qualis completo é atualizado e são gerados indicadores de produtividade intelectual.

A classificação de forma segura desses periódicos predatórios parece um desafio diante da comunidade acadêmica. Em um estudo publicado em 2018 na revista Scientometrics, Perlin e outros dois professores da Escola de Administração da UFRGS problematizaram o impacto e a penetração das publicações predatórias no sistema acadêmico brasileiro.

Analisando um conjunto de 2,3 milhões de publicações de 102.969 pesquisadores doutores entre os anos 2000 a 2015, coletados a partir de dados disponibilizados na plataforma Lattes, o trabalho revela que o sistema de avaliação da Capes é vulnerável à invasão desse tipo de veículo de divulgação.

Gráfico publicado em artigo desenvolvido por professores da Escola de Administração da UFRGS mostra o percentual de publicações predatórias no Qualis ao longo dos anos

Por meio do cruzamento de dados de diferentes plataformas para mapear as revistas predatórias, os autores descobriram que apenas 0,26% das produções estariam dentro desse escopo. Embora esse percentual pareça pequeno em relação ao universo analisado, os pesquisadores alertam para um crescimento exponencial da proporção de revistas predatórias indexadas e avaliadas em todos os estratos do sistema Qualis-Periódicos, em diferentes áreas do conhecimento, especialmente entre 2010 e 2015. O cenário previsto seria, assim, de uma piora do quadro nos próximos anos.

Gráfico publicado em artigo de professores da UFRGS revela crescimento de publicações predatórias por pesquisadores brasileiros entre 2000 e 2015

Outro achado da pesquisa diz respeito aos perfis dos pesquisadores que publicaram nessas revistas. A pesquisa partia da hipótese de que os pesquisadores júniores, aqueles em início de carreira, seriam os principais responsáveis por esse volume de trabalhos. Mas os dados indicaram exatamente o contrário.

Usando um modelo estatístico, nós chegamos ao resultado de que aqueles que têm mais publicações em revistas predatórias são pesquisadores experientes.

Marcelo Perlin

Ainda sobre o perfil desses pesquisadores, quem mais publica nesse tipo de veículo são aqueles com maior número de publicações não indexadas, isto é, que não estão no Scientific Journal Rankings/Scimago ou no Journal Citation Reports/Web of Science, alguns dos principais avaliadores do fator de impacto de um periódico a partir de indicadores de citações de cada trabalho. Além disso, aqueles que possuem um doutorado obtido em alguma das universidades brasileiras detêm maior probabilidade de publicar nesses periódicos do que aqueles que fizeram o doutoramento no exterior.

Na opinião de Perlin, o problema não seria má-fé, mas falta de governança e informações sobre essas publicações. “O grupo acadêmico também não vai muito a fundo nas revistas e acaba enviando para uma revista que, por ser, por exemplo, B1, acha que é uma revista boa. Como o Qualis está, vamos chamar assim, ‘licenciando’ ou dando um ‘selo’ para aquela revista, os pesquisadores mandam o artigo para lá”, enfatiza.

O estudo liderado por Perlin também observa o impacto causado pela entrada de uma revista predatória no sistema Qualis-Periódico. O resultado mostrou que, ao ser ranqueada no sistema, ela recebe muito mais publicação do que uma revista não predatória.

Na opinião pessoal de Perlin, o grande volume de periódicos a serem classificados anualmente pelas comissões, juntamente com a restrição temporal para concluir esse trabalho, acaba fazendo com que algumas revistas passem pelo crivo dos avaliadores. Segundo Vanz, apenas na área da Comunicação e Informação, por exemplo, a primeira lista de 2019 continha mais de 800 revistas, já em 2020 esse número subiu para quase 4 mil. “As comissões trabalham com listas imensas de revistas, então a chance de passar é grande”, reforça. Nesse sentido, a comunidade acadêmica também desenvolve um trabalho importante de vigilância dessas revistas.

As comissões do Qualis estão muito atentas às revistas predatórias e, na medida do possível, tentando pegar esses casos para avaliar de uma forma mais criteriosa.

Samile Vanz

Os relatórios produzidos pelas equipes de cada área para o Qualis-Periódicos revelam que há um esforço constante para reconhecer publicações predatórias e eliminá-las a cada nova avaliação, como demonstram os últimos documentos disponibilizados pelos comitês das áreas de Medicina e Comunicação e Informação. O fluxo contínuo de ingresso de novas revistas pode, entretanto, incorrer em algum equívoco.

O Qualis-Periódicos ainda é alvo de intensa controvérsia diante do futuro incerto da avaliação da pós-graduação brasileira e foi um dos estopins para a maior crise da história da Capes. O motivo seria um descontentamento de coordenadores e consultores com as mudanças repentinas nas regras e no funcionamento do sistema de avaliação. “Desde 2019, o percentual de alterações [das revistas] para cima e para baixo era um. Em 2020 se manteve o mesmo percentual, mas neste ano, depois que a comissão já estava trabalhando e algumas comissões já tinham, inclusive, finalizado o Qualis, a nova presidente da Capes emitiu uma portaria alterando todas as regras novamente”, comenta Vanz.

Esse foi o caso da comissão de avaliação da área de Matemática/Probabilidade e Estatística (MAPE). Na carta de renúncia dos pesquisadores da área, divulgada em 29 de novembro deste ano, um dos itens que levou ao desligamento coletivo dos pesquisadores está relacionado às mudanças nas regras do Qualis-Periódicos.

O documento, assinado por 3 coordenadores e 28 consultores da MAPE, informa que o trabalho do comitê foi “severamente comprometido” pela portaria n.º 145 da Capes, publicada em 10 de setembro de 2021. A portaria foi responsável por fixar as disposições sobre o Qualis-Periódicos e modificar os percentuais de ajustes dos estratos. A alteração veio após o encerramento dos trabalhos da comissão de avaliação da MAPE, concluído em agosto de 2021, e antes que o relatório apresentado pudesse ser discutido pelo Colégio de Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar. A realidade atual é que “ninguém sabe em que pé a situação está, não sabemos como vai ficar”, lamenta Vanz [atualização de 17/12: a portaria 145 foi revogada nesta quinta, 16].

Foto: Flávio Dutra/JU
Política governamental de ciência e o risco à avaliação da produção intelectual

Hoje, pesquisadores dispõem de uma variedade de alternativas para visibilizar suas produções. O formato tradicional mais usado, contudo, é baseado em artigos científicos publicados em periódicos acadêmicos. Na opinião do presidente da ABEC Brasil, um cientista pode publicar onde quiser. Se for do seu interesse divulgar em uma revista predatória, ele tem todo direito de fazê-lo, comenta. “O que não pode são as agências públicas de fomento, como a Capes, CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], Fundações de Amparo à Pesquisa, instituições de ensino e pesquisa e universidades aceitarem isso como produção do docente. Essas instituições não têm um filtro adequado para avaliar a sua produção. Então, eles aceitam pela quantidade, não vão ver se aquela revista está ou não na base”, ressalta.

Na mesma direção, Perlin reforça que o problema é quando se usa essa publicação como uma métrica de produtividade científica. “Qual é o problema? […] Você paga para publicar e recebe os pontos que deveriam, num processo mais justo, ser atingidos com base no mérito.”

O efeito prático é que a revista predatória abre um caminho alternativo e um caminho não meritocrático para qualquer pessoa mandar um artigo, pagar a taxa de publicação que eles cobram, e é um valor relativamente alto […], e, com base nisso, ela recebe a pontuação do Qualis – e pode até obter uma pontuação bem alta.

Marcelo Perlin

Segundo Rode, é preciso entender o processo. “Tudo isso é parte de uma política governamental. Houve uma época em que a produção brasileira era muito baixa e muito nacional […]. Nós precisávamos dar visibilidade à produção brasileira”, relembra. A solução encontrada à época pela Capes foi estimular a produção a partir do sistema de avaliação.

A fundação, então, decidiu avaliar a produção pelo número de artigos publicados em revistas, especialmente aquelas fora do Brasil. Deu resultado. Pesquisadores começaram a publicar mais, inclusive em revistas internacionais relevantes, afirma Rode. É o que atesta, por exemplo, o relatório produzido em 2020 pelo Observatório de Ciência, Tecnologia e Inovação (OCTI) do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), organização social vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

O documento, apresentado na 73.ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), analisou o panorama da ciência brasileira entre os anos 2015 e 2020. O resultado aponta que a produção nacional de artigos em 2020 aumentou 32,2% em comparação ao ano de 2015 – 5,1% a mais do que a produção global no mesmo período.

Hoje, se você pegar revistas importantes no mundo inteiro, dificilmente você vai achar um fascículo, um número que não tenha artigos de brasileiros. Isso porque nós tivemos uma política de internacionalização da nossa produção que deu certo.

Sigmar Rode

Mas a estratégia não saiu tão bem quanto o esperado. Como o ranqueamento de um pesquisador ou de um programa de pós-graduação em órgãos de fomentos como a Capes e o CNPq define o quanto cada um pode receber de recursos para pesquisas, cresceu a ideia de que a quantidade seria prioridade em detrimento da qualidade. Sob pressão constante, alcançar metas se tornou mais relevante do que produzir ciência de alto impacto para muitos que pesquisam.

A nota assinada pela CBCE, por exemplo, coloca a publicação em periódicos predatórios como um exemplo dos efeitos alcançados pela atual política de produtivismo científico estimulado pelas instituições de fomento à ciência no país, via avaliação e quantificação da produção de conhecimento para liberação de recursos. A política de avaliação da pós-graduação no país demanda uma quantidade significativa de trabalhos publicados em periódicos anualmente por estudantes, pesquisadores e professores.

Para Vanz, essa alta demanda por publicações seria um dos fatores que alimenta o modelo de negócio baseado na venda de espaços para divulgação de artigos, estimulando comportamentos antiéticos de cientistas e com potencial de prejudicar as avaliações. Essas revistas impactam ainda não apenas no processo de circulação da ciência, mas também em sua produção. Na opinião de Perlin, “o grande risco que temos como um sistema acadêmico é estarmos premiando pesquisadores ruins com recursos que deveriam ser encaminhados, de uma forma mais produtiva, para aquele pesquisador que realmente merece – que fez o trabalho e que publicou da maneira correta nas revistas não predatórias”.

A existência desses periódicos predatórios permite que um pesquisador ganhe esses recursos sem o processo devido.

Marcelo Perlin

Vanz, Perlin e Rode concordam que essas publicações apresentam riscos à integridade e credibilidade científica brasileira. “Nós somos avaliados pela quantidade, não pela qualidade”, destaca o presidente da ABEC. Tanto estudantes que pretendem se candidatar a uma vaga ou bolsa em um programa de pós-graduação quanto doutores em busca de financiamento para suas pesquisas estão sob essa pressão.

Se eu preciso fazer meu relatório anual e preciso colocar que eu publiquei pelo menos um artigo científico, eu posso ficar tentado a mandar para uma revista predatória que, em 30 dias, o artigo estará publicado. Assim eu faço a minha cota para continuar com meu contrato na universidade ou na instituição.

Sigmar Rode

Rode acredita que a Capes atingiu seu objetivo com a política anterior, mas precisaria mudar agora para corrigir os problemas que a postura causou à ciência brasileira, “o que está demorando a fazer”, sinaliza. Ele defende que a Capes precisa de um outro sistema de avaliação que seja compatível com os princípios guiados pela ciência aberta, para que a comunidade acadêmica possa participar, opinar e ser ouvida de forma mais ativa e efetiva.

O enfoque tem que ser outro, a política tem que ser outra. É preciso ver outros aspectos, oxigenar o sistema de avaliação e ouvir a comunidade, como que ela acha que essa avaliação pode ser feita, e não fazer um interna corporis, como é feito hoje, em que os coordenadores de área se fecham com a equipe de avaliação e decidem. Alguns coordenadores realmente ouvem a comunidade e levam os seus anseios, mas isso não é regra geral na Capes.

Sigmar Rode
Pesquisadores dão dicas para identificar revistas predatórias

Embora pareça fácil identificar uma revista predatória, essa classificação é bastante polêmica, já que essas publicações se revestem de vários elementos presentes nas revistas científicas, como um DOI, ISSN (identificação internacional para periódicos), conselho editorial, indexadores e outros critérios. Essas publicações, portanto, não se referem a uma categoria homogênea de práticas. É preciso cuidado para diferenciar revistas propositalmente predatórias daquelas que podem cometer equívocos em decorrência de uma má administração, inexperiência ou negligência. Apesar de os métodos e as motivações variarem de um caso para outro, as revistas predatórias apresentam algumas características e estratégias de atuação em comum.

Em abril de 2019, um total de 43 pesquisadores e editores de dez países se reuniram em Ottawa, no Canadá, para construir uma definição sobre periódicos predatórios. No conceito, relatado no volume 576 da revista Nature, o coletivo de pesquisadores chegou ao consenso de que tais publicações se caracterizam por não seguir os padrões aceitos e as melhores práticas editorias e de publicações, não praticam transparência, se utilizam de solicitações agressivas e/ou indiscriminadas e informações falsas ou enganosas.

Abaixo destacamos um conjunto de 10 elementos importantes e estratégias que pesquisadores, sobretudo jovens em início de carreira, devem saber para identificar um periódico predatório e evitar cair em suas armadilhas.

1. Desconfie de convites para publicação
Tudo começa com um e-mail automático enviado pelo editor-chefe de uma revista, aparentemente científica, citando nominalmente um participante de congresso. No corpo da mensagem, a menção ao título de algum trabalho aparece seguida de felicitações pela qualidade do estudo, alegando a relevância do artigo para a área do conhecimento. Logo após é feito o convite ao autor ou autora para publicá-lo naquele espaço.

No mundo acadêmico, convites para publicação são uma prática um pouco menos frequente no processo editorial. Quando ocorrem, geralmente são direcionados a pesquisadores sêniores reconhecidos em uma comunidade acadêmica pelo seu trabalho em torno de alguma temática. Esses convites são feitos por periódicos de modo bastante seletivo, e a publicação nem sempre é garantida.

Vanz ressalta a atenção para o cuidado com o marketing agressivo das revistas aos pesquisadores e acadêmicos, convidando-os para publicarem ou emitirem pareceres que não serão considerados. Em alguns casos, podem ocorrer convites para participar do corpo editorial também: “A forma de nós percebermos o intuito ou a natureza da revista é essa oferta, esse convite, porque revistas tradicionais não costumam enviar convites. Eles fazem uma divulgação mais genérica do seu trabalho”, completa.

2. Duvide de prazos milagrosos
“À exceção dos preprints, que devem ser publicados em 24-48 horas, uma revista leva um tempo de processamento”, salienta Rode. Um processo de publicação possui diferentes etapas. Primeiro, um artigo submetido passa por uma análise preliminar feita pelo corpo editorial. Em seguida, os trabalhos aprovados seguem para uma rodada de revisão por pares – momento em que dois ou três pareceristas especializados no tema avaliam anonimamente o trabalho.

De posse dos pareceres, o editor os avalia e devolve ao autor, que recebe um prazo para cumprir possíveis modificações solicitadas ao manuscrito. Ele, então, retorna o trabalho à revista, que dá uma decisão final. Aprovado para publicação, inicia-se o processo de editoração. O trabalho é submetido a uma revisão de idioma e normas de publicação. O autor recebe o texto, então, para o que se chama de “leitura de prova”. Nesse momento não são mais aceitas solicitações de modificação do texto, apenas de estilo e ortografia/gramática. Feito isso, o pesquisador devolve o texto revisado à revista, que encaminha para a diagramação, indexação e, por fim, publicação.

Cada uma dessas etapas varia de acordo com a editora, o periódico e a disciplina e consome um tempo considerável de alguns meses, no mínimo, quando não de mais de um ano. “Quando você recebe de uma revista que ela vai publicar seu trabalho em 30 ou 40 dias, você já tem que ficar alerta. Não que isso não possa ocorrer, mas é muito difícil que você tenha um processo editorial de um artigo que leve esse tempo tão curto”, reforça o presidente da ABEC Brasil.

Revistas predatórias prometem rápida revisão por pares e uma resposta entre cinco e sete dias. O volume de trabalhos publicados nelas, chegando em mais de três centenas em uma única edição, revela uma dinâmica de procedimentos incompatível com os padrões tradicionais exigidos pelas revistas mais relevantes.

3. Pagamentos de taxas para publicação não são informados desde o início
Publicar implica custos com o trabalho editorial, infraestrutura técnica e inovação, marketing da revista e do conteúdo, produção de artigos e atendimento ao cliente, por exemplo. Dentro desse contexto, é comum que algumas revistas cobrem uma taxa de processamento de artigos, conhecida pela sigla em inglês para Article Processing Charges (APC), para que um trabalho completo seja publicado em acesso aberto permanentemente. “A revista Nature, que é tradicional, cobra uma taxa muito cara para publicação, mas não é predatória, porque ela faz a avaliação por pares”, relembra Vanz.

O problema, portanto, não está no pagamento das APCs, uma vez que, em alguns casos, são a única forma de sustentabilidade de publicações em determinadas áreas do conhecimento. As revistas predatórias têm como objetivo principal lucrar com a publicação, logo, haverá taxa. Nas mensagens enviadas aos autores, contudo, nenhuma menção é feita ao pagamento de honorários. Em muitos casos, essa informação é omitida até as vésperas da publicação do trabalho, reforçam os professores. Caso o autor deseje retirar ou retratar seu artigo futuramente, essas revistas cobram ainda uma taxa.

4. Revistas predatórias não oferecem serviços editoriais básicos
Revistas predatórias não se preocupam com a qualidade do trabalho e não seguem critérios de seleção. Tais publicações não verificam a legitimidade dos artigos e pouco ou nenhum serviço editorial de publicação é fornecido.

A revisão por pares, por exemplo, é negligenciada ou simplesmente ignorada por esse tipo de publicação. Embora algumas revistas prometam fazê-lo, trata-se apenas de uma prática protocolar, defende Rode. Outras questões, como a verificação de plágio ou a aprovação ética, também não são asseguradas por esses espaços de divulgação, assim como a revisão textual do trabalho, que fica sob a responsabilidade do autor.

5. Títulos genéricos e abrangência temática
As revistas predatórias possuem títulos absolutamente genéricos escritos em inglês. International JournalAmerican AcademyInternational AssociationGlobal ResearchScientific Journal e, no contexto nacional, Brazilian Journal são expressões bastante comuns que imitam títulos de maior prestígio. O presidente da ABEC Brasil reforça que existem revistas importantes com esses nomes, mas ressalta que os autores procurem investigar qual sociedade ou editora está por trás de publicações com esses títulos, já que são muito semelhantes aos de periódicos qualificados.

Além do título, o escopo dessas publicações não delimita uma área específica de interesse, geralmente recebendo contribuições de praticamente todas as áreas do conhecimento – política que é improvável com a tendência a revistas cada vez mais especializadas. O nome do periódico também não reflete sua origem – mesmo os nacionais possuem o nome e o site em língua estrangeira, sobretudo inglês.

6. Falta de transparência e alegações ou promessas falsas são frequentes
Revistas predatórias destacam, em seus sites, que estão indexadas em uma grande quantidade de bases de dados científicas, apesar de a maioria delas serem falsas ou terem pouco ou nenhum critério para seleção de revistas. Esses periódicos também calculam seus próprios indicadores de fator de impacto, argumenta Rode, pagando a um site que gera certificados sem qualquer validade.

Também é frequente que pesquisadores reconhecidos apareçam como membros editoriais sem o consentimento prévio de cada um, ou mesmo que sejam nomes fictícios, destaca Perlin. Quando há a informação do corpo editorial, ele é muito restrito, de diferentes países e de áreas completamente distintas. O editor tem um currículo incompatível com o escopo da revista ou sua função (alguns não possuem doutorado). Essas revistas também fraudam o endereço da sede, em geral alegando estar nos Estados Unidos, mas a maioria é publicada em países da periferia científica, como Egito, Nigéria e Índia.

As revistas também não são transparentes com informações como a lista de pareceristas, o número de submissões ou taxas de aceites e recusas, e algumas não usam um sistema de editoração de revistas científicas, como o seer (embora algumas passaram a utilizar esse sistema).

7. Publicações recentes e tendência a mudanças repentinas
Revistas predatórias surgiram graças à diminuição dos custos com a migração de periódicos ao formato digital. Em específico, são periódicos nativos digitais que não dispõem das décadas ou até séculos de história que alguns dos mais importantes detêm, como The Lancet ou Nature.

Apesar dos poucos anos de criação, publicam volumes mensais com uma grande quantidade de artigos. Outra característica marcante dessas revistas, segundo Perlin, é a tendência a mudanças repentinas em seu nome, por exemplo, preservando o mesmo ISSN. Isso faz com que um trabalho possa desaparecer repentinamente, já que elas não possuem uma política de preservação digital.

8. Avalie o site da revista
Vanz recomenda que os pesquisadores avaliem os sites das publicações. Revistas predatórias geralmente possuem uma interface amadora, um design simples e poluição visual (imagens distorcidas) com informações para chamar a atenção do público, especialmente para as bases indexadas e a avaliação no Qualis-Periódicos.

É importante também atentar para algumas outras questões no site:
– erros de ortografia ou gramática são frequentes;
– uso de métricas alternativas (certificação de fator de impacto, por exemplo);
– dados do editor incoerentes;
– o servidor que hospeda a revista não está vinculado a nenhuma instituição de ensino e pesquisa;
– não são descritos claramente o procedimento editorial, a política de ética, o plagiarismo e a retratação, o processo de avaliação pelos pares e as declarações de direito autoral e privacidade – em geral, as revistas retêm os direitos autorais das pesquisas publicadas;
– a submissão é feita por e-mail, na maioria dos casos, e o endereço de contato não é profissional nem afiliado ao periódico; e
– a revista não é signatária da San Francisco Declaration on Research Assessment (DORA) ou da Comittee on Publication Ethics (COPE) e não é membro de associações de revistas e editores científicos nacionais ou internacionais.

9. Consulte listas públicas, indexadores relevantes e ferramentas
Com o intuito de ajudar os pesquisadores, existem algumas listas públicas que elencam várias revistas potencialmente predatórias. A mais famosa delas é a Beall’s List, editada entre 2008 e 2017. Esse site também inclui uma variedade de outras listas de revistas sequestradasmétricas enganosas, etc.

Essa lista, contudo, não está longe de controvérsias, como argumenta Perlin: “Existem críticas muito fortes a respeito do uso de critérios, aparentemente, nem sempre tão objetivos”.

Além da lista de Beall, existem a Stop Predatory Journals e a Preda Qualis – esta última um levantamento desenvolvido por pesquisadores brasileiros em 2017 para rastrear periódicos potencialmente fraudulentos listados pelo sistema Qualis-Periódicos. Um dos produtos do trabalho é a criação de uma lista interativa de revistas predatórias.

Para o presidente da ABEC Brasil, verificar em que base de dados a revista está indexada é o caminho para diferenciar periódicos sérios de predatórios. Algumas bases confiáveis citadas pelo professor são Web of ScienceScopusJournal Citation ReportsPubMedDOAJSciELORedalyc LILACS – as três últimas da América Latina.

A recomendação é que os autores desconfiem das alegações de indexação das revistas e chequem as informações, buscando nessas bases de dados. Em 2014, por exemplo, a DOAJ, um indexador de periódicos de acesso aberto, publicou que muitas revistas afirmavam ser indexadas pela base quando, na realidade, não eram. “Verificar nas bases de dados é a melhor maneira de você saber se a revista é ou não predatória, porque muitas das listas de revistas predatórias estão desatualizadas. Você não consegue atualizá-las com a mesma rapidez com a qual eles criam esse tipo de revista”, reforça Sigmar Rode.

Além dessas opções de checagem, existem hoje algumas ferramentas para ajudar os pesquisadores a escolherem a revista adequada para publicar seus trabalhos. A Journal Evaluation Tool, por exemplo, é uma ferramenta gratuita de pontuação que pode ser usada por qualquer pessoa para ajudá-la a determinar a credibilidade de um periódico. O mecanismo foi criado pela Biblioteca William H. Hannon, da Universidade Loyola Marymount, nos Estados Unidos.

Outra opção é o site Think. Check. Submit, que oferece alguns conselhos sobre como publicar em uma revista relevante, além de conteúdos em vídeo, uma lista de verificação similar à ferramenta anterior e algumas dicas para checagem da credibilidade de uma revista. Essas são apenas duas opções dentre tantas ferramentas disponíveis na internet.

10. Na dúvida, busque orientação
Se ainda assim persistirem dúvidas, o caminho é buscar orientação nas bibliotecas das universidades, recomenda a professora Samile Vanz. Para ela, o papel dos bibliotecários é justamente ensinar e mostrar os caminhos ao público da biblioteca. Faz parte das competências e habilidades desse profissional comentar sobre os requisitos de um periódico sério, elementos de credibilidade, as características de um periódico predatório e proporcionar uma espécie de ensino e de educação que precisa se fazer com os alunos e usuários da biblioteca. “Um bibliotecário que atue numa biblioteca universitária, ou mesmo escolar, precisa dar um direcionamento sobre as fontes de informação que o usuário vai consultar”, complementa.

Na opinião de Perlin e Vanz, a relação com o orientador, por ser mais experiente, também é importante para direcionar os alunos de pós-graduação a publicar em revistas conceituadas e participar de eventos sérios desde o início da carreira. “Esse é um processo de construir conjuntamente, conversando e orientando os alunos e os acadêmicos mais jovens”, pontua Perlin. “É junto com o orientador que se trilha um caminho de maior segurança”, argumenta Vanz.

As revistas, editoras, eventos, indexadores e bases predatórias são um fenômeno global complexo que só pode ser combatido com o ensino e a educação para a conscientização, defendem em unanimidade os pesquisadores. “[É preciso] ensinar para as pessoas o que é uma revista predatória […], porque o conhecimento é a base fundamental para evitarmos a publicação nelas. Educação é falar sobre o assunto, expor e orientar para que as pessoas evitem”, reforça o presidente da ABEC Brasil.

“Nós precisamos conversar sobre isso, dizer e mostrar que essas revistas existem, que elas tiram vantagem e, mais importante, que elas vão mais prejudicar do que ajudar o pesquisador”, adverte Perlin. O professor também chama atenção para os pesquisadores não confiarem cegamente no Qualis-Periódicos: “Eu acho o Qualis mais, assim, como uma orientação do que como algo para você seguir cegamente, porque o Qualis tem falhas”.

Os pesquisadores reforçam que o papel do jornalismo científico é fundamental para visibilizar as ações e práticas predatórias na ciência e informar o público sobre o tema. “Quanto mais falarmos de revistas predatórias, quanto mais as pessoas entenderem o que é uma publicação predatória, menos pessoas entrarão nessa situação. E quanto menos entrarem, menos as revistas predatórias irão se proliferar, porque elas só crescem porque tem quem publique lá”, sinaliza Rode.

Integridade científica

No intuito de oferecer caminhos para auxiliar sua comunidade acadêmica diante de uma abundância de práticas questionáveis, a Pró-reitoria de Pesquisa da UFRGS lançou, em 2020, o seu manual para integridade em pesquisa científica. A proposta acompanha uma tendência internacional voltada para a necessidade de impulsionar a melhoria da pesquisa, como mostram os Princípios de Hong Kong, um conjunto de cinco fundamentos lançados em 2020 como parte da 6.ª Conferência Mundial sobre Integridade da Pesquisa, a maior e mais importante conferência internacional sobre o tema.

O guia da UFRGS fornece, com o objetivo de promover a integridade da ciência, um conjunto de recomendações de conduta a serem seguidas pelos membros da comunidade universitária envolvidos com a pesquisa científica. O documento finaliza listando algumas práticas questionáveis em pesquisa, entre as quais figura a edição ou o financiamento a revistas que são classificadas como potencialmente predatórias.

Apesar dos desafios, Vanz vê avanços diante dos enfrentamentos e do cenário particular em que a sociedade foi exposta com a pandemia de covid-19. “Nós, enquanto pesquisadores, estamos mais atentos à questão da integridade e da ética em pesquisa. A sociedade, em geral, está um pouco mais alfabetizada, um pouco mais atenta também a tudo isso. Apesar de as revistas nos colocarem em risco, sem dúvida, creio que nós estamos desenvolvendo instrumentos e competências para perceber que as revistas predatórias são predatórias”, finaliza.

Foto: Flávio Dutra/JU

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