Censura não protege ninguém

Publicado originalmente em Instituto Palavra Aberta por Patrícia Blanco. Para acessar, clique aqui.

O filme de comédia infanto-juvenil “Como se tornar o pior aluno da escola” (2017), de Danilo Gentili, não tem graça alguma. Na minha opinião, é ruim, muito ruim. Nem por isso merece ser censurado, como pretendia o Ministério da Justiça e Segurança Pública quando, em meados de março, expediu ordem para que os serviços de streaming – o filme está disponível na Netflix, YouTube, Telecine, Globoplay, Google TV e Apple TV  – suspendessem a exibição do longa-metragem.

A pergunta aqui é velha e parece descabida no momento atual, mas infelizmente tem de ser feita novamente, em pleno 2022: impedir a exibição de obras culturais ou de entretenimento que observam a lei protege crianças e adolescentes?

A resposta é tão óbvia quanto a pergunta, ou seja, um retumbante não. Na verdade, a proteção aos nossos jovens começa com o estabelecimento de um ambiente de liberdade de expressão conforme prevê a Constituição de 1988. Claro… isso é, de fato, apenas o começo.

Proteger crianças e adolescentes de conteúdos inadequados e de ações criminosas ganha profundidade quando é oferecido a eles boa educação, com observância pedagógica, que inclusive orienta os conteúdos conforme suas idades. Somam-se a isso as regras e normas acordadas pelas famílias.

Na prática, os tutores têm o poder de decidir o que é apropriado ou não para seus protegidos, desde que respeitados os deveres e os limites constitucionais. Aqui, o sistema de classificação indicativa por faixas de idade para cinema, televisão, jogos, publicações ou aplicativos é, sobretudo, um guia que auxilia os responsáveis e, como o próprio nome já diz, indica os conteúdos mais adequados para cada faixa etária.

É compreensível, portanto, que classificações indicativas, determinadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, possam ser revistas pela pasta caso haja um entendimento neste sentido por parte da sociedade. O que não é correto é usar o sistema para censurar uma obra, como se buscou no caso do filme de Gentili, cuja classificação indicativa foi alterada de 14 para 18 anos, cinco anos após o seu lançamento.

A polêmica em torno do filme nos remete ao principal debate em torno das liberdades neste começo de século XXI. Ocorre que há uma terrível confusão sobre os limites da liberdade de expressão, muitas vezes alimentada por aqueles que têm interesse na divisão social e no fortalecimento de um ambiente polarizado aos extremos, que oprime a pluralidade e a diversidade.

Retirar de circulação determinadas expressões ou manifestações culturais simplesmente porque não gostamos delas resulta em um ambiente menos plural e gera uma falsa proteção. Há, sim, o argumento de que pornografia e pedofilia – retratadas no filme de Gentili –, por exemplo, são atitudes já criminalizadas, considerados tabus e, por isso, existiria consenso e motivo para censurá-las. Mas e se outros temas passarem a ser considerados tabus por esse ou aquele grupo de pessoas? Quem ficará responsável por determinar a lista de temas que não poderão ser tratados em filmes, peças de teatro, ou qualquer outro tipo de manifestação artística? Ficaremos à mercê do censor de plantão?

Quando há comprovação de crime, é de se esperar que a Justiça intervenha de forma rápida e exemplar, mas antes disso, conteúdos, mesmo que de mau gosto e que retratem temas tabus, não podem ser simplesmente retirados do ar. Precisam, sim, ser enfrentados pelas pessoas, desde os mais jovens, com o objetivo inclusive de coibir essas práticas. 

É aí que entra a educação midiática e informacional. No entendimento do Instituto Palavra Aberta, o exercício da liberdade de expressão e o consumo de informação – seja comercial, de entretenimento ou editorial – passam pela necessidade de educar midiaticamente crianças e jovens para que possam não somente interpretar adequadamente as informações que recebem neste mundo conectado onde há de tudo – a informação propriamente dita, o fato, a opinião, a desinformação, o discurso de ódio, apologia à violência -, mas também para que se preparem para uma experiência mais rica e saudável no ambiente informacional, seja online ou offline. Esta sim é uma forma real de proteção de crianças e adolescentes. 

Ser educado midiaticamente, na visão do especialista italiano Paolo Celot, não é mais uma vantagem competitiva: pelo contrário, é “uma desvantagem debilitante não ser”. Este é o desafio do nosso tempo e deve ser enfrentado desde a primeira infância. Deve começar pelas famílias, passar pela escola, mas prosseguir pela vida adulta. Ou seja, saber interpretar e identificar o que é uma manifestação cultural, mesmo que de mau gosto, são habilidades necessárias para participar com segurança da sociedade conectada. Afinal, proibir não resolve. O que resolve é educar. 

*Patricia Blanco é presidente executiva do Instituto Palavra Aberta

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