Publicado originalmente em COVID-19 DivulgAÇÃO Científica por Catarina Chagas. Para acessar, clique aqui.

studo analisa cobertura do desenvolvimento de imunizantes contra COVID-19 em jornais de três países.

Em 2020, a busca por uma vacina eficaz contra a COVID-19 mobilizou, por um lado, inúmeros grupos de pesquisa e indústrias farmacêuticas ao redor do mundo; por outro, a mídia acompanhou de perto essa corrida, informando cidadãos sobre o desenrolar das pesquisas e perspectivas para a disponibilização de novos imunizantes à sociedade. Um trabalho recém-publicado do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia avaliou a cobertura do tema em jornais do Brasil, do Reino Unido e dos Estados Unidos. 

O artigo, assinado por Luisa Massarani e Luiz Felipe Neves e publicado na revista Frontiers in Communication em 30 de abril, apresenta resultados de uma análise de 716 textos veiculados nos jornais The New York Times (178 matérias), The Guardian (199) e Folha de S. Paulo (339) entre os meses de janeiro e outubro. Embora tenha publicado menor número de matérias sobre o tema, o jornal norte-americano incluiu textos mais longos – uma média de 1.285 palavras cada, contra 699 palavras, em média, das matérias publicadas pelo jornal brasileiro.

Se, no início, notícias sobre o desenvolvimento de vacinas contra COVID-19 apareciam principalmente nas editorias de Saúde ou Ciência, a partir de março, elas apareceram em editorias variadas, incluindo Política, Economia, Opinião, Sociedade e Internacional, além de textos de colunistas.

No Guardian e no New York Times, a análise dos termos mais usados nas matérias sugere uma cobertura mais focada nos ensaios conduzidos por indústrias farmacêuticas, enquanto a Folha, além desse enfoque, também enfatizou o prognóstico da produção das vacinas em larga escala. Uma particularidade da cobertura britânica do tema foi a menção frequente do movimento antivacinação como obstáculo para o controle da COVID-19.

Ao analisar os títulos das matérias, Massarani e Neves identificaram “testes” e “ensaios” entre as palavras mais relevantes, o que era esperado na cobertura do desenvolvimento de novas vacinas. O termo “corrida” também esteve entre os mais usados nos três jornais, remontando à competição pelo pioneirismo na obtenção de um novo imunizante. “No caso da vacina de COVID-19, a competição é formada por indústrias farmacêuticas, instituições científicas e, de maneira mais simbólica, pelos países que elas representam. Assim, algumas vacinas são identificadas não pelos seus laboratórios mas por sua nacionalidade – um aspecto que não pode ser ignorado quando estão em jogo os interesses de nações e blocos historicamente marcados por disputas econômicas, políticas e ideológicas, como Estados Unidos, Europa, China e Rússia”, escrevem os autores.

Curiosamente, cada país apresentou, ainda, especificidades nas palavras mais usadas nas manchetes sobre novas vacinas contra COVID-19: “segurança”, nos Estados Unidos, “potencial”, no Reino Unido, e “obrigatória”, no Brasil.

Enfoque político na cobertura brasileira

Nos textos analisados, os nomes dos presidentes Trump e Bolsonaro aparecem na lista de palavras mais citadas, o primeiro nos jornais dos Estados Unidos e do Reino Unido e o segundo, no jornal brasileiro. Na Folha, Bolsonaro aparece, entre todas as palavras, como o termo de maior relevância na cobertura. O jornal brasileiro citou com frequência também o governador de São Paulo, João Dória, e o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o que sugere uma cobertura mais política do tema, em contraste com a menção mais frequente a atores e instituições científicas no Guardian e no New York Times.

“A presença desses nomes na cobertura brasileira não está ligada simplesmente à escolha de fontes, mas à repercussão das discussões sobre a origem da vacina e a obrigatoriedade da vacinação no país”, relatam os autores, lembrando que Bolsonaro declarou que não compraria vacinas de uma indústria chinesa quando Dória já havia assinado acordo com o laboratório Sinovac.

A menção a indústrias farmacêuticas foi mais frequente e relevante no New York Times, em especial aquelas sediadas nos Estados Unidos. Já os jornais brasileiro e britânico citaram mais vezes as instituições públicas de ciência e tecnologia e universidades que trabalharam em parceria com as indústrias, além de agências governamentais de saúde pública. Dos três jornais, o Guardian foi o único que deu destaque a iniciativas internacionais de vacinação que têm como objetivo promover o acesso global aos imunizantes.

Segundo Massarani e Neves, a forma como a mídia fala de vacinas pode ter impacto na percepção pública sobre o tema: estudos prévios mostraram, por exemplo, que a intenção dos brasileiros em se vacinar é reduzida se a vacina for associada com a China ou com a Rússia. “[Nossos] resultados nos levam a refletir sobre a responsabilidade da mídia não apenas em informar corretamente, mas também em não criar estigmas relacionados à origem da vacina e em combater a desinformação”, concluem.

Referência

MASSARANI, L; NEVES, LFF. Communicating the “Race” for the COVID-19 Vaccine: an exploratory study in newspapers in the United States, the United Kingdom, and Brazil. Frontiers In Communication, [S.L.], v. 6, 30 abr. 2021. Frontiers Media SA. http://dx.doi.org/10.3389/fcomm.2021.643895.

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